segunda-feira, 17 de agosto de 2020

ARTIGO - Geisel e a Ruptura com Amarras Ideológicas (LA)

 GEISEL E A RUPTURA
COM AMARRAS IDEOLÓGICAS

Luciara da Silveira de Aragão*

 

O Presidente Ernesto Geisel ficou conhecido como criador do Proálcool, pela ruptura da aproximação com os Estados Unidos e pelo Acordo Nuclear com a Alemanha. Criou a indústria petroquímica com a composição tripartite: empresa nacional, estrangeira e o Estado. 

O objetivo era a captação da tecnologia. Ao priorizar as pesquisas de petróleo na crise energética, desejava o prestígio militar e queria o domínio da tecnologia do átomo em todas as suas fases, reproduzindo o sonho do Brasil grande potência.



Segundo Sarney, Geiselnunca aceitou as missões militares americanas dentro de nossos quartéis, dando instruções e ordens”, investindo contra o militarismo institucional. (Geisel e os caminhos da abertura, O Globo, 26/09/1996 – Opinião p.7). Sabemos que reatou relações diplomáticas com a China, reconheceu o governo comunista de Angola (MPLA), avançou no espólio português na África. Quando da recessão econômica, substituiu importações e contraiu empréstimos usando o conceito de democracia proativa. Tinha seu homem de confiança, no caso, o General Moraes Rego, seu chefe da Casa Militar, considerado um militar preparado e inflexível, e causou dissidências com alguns militares tendo problemas como a resistência  do  General Silvio Frota (12/ 10 /1987). 

O caso Frota, um dos mais priorizados no período Geisel, bem nos diz das divergências internas estabelecidas entre generais, como fruto de suas atitudes políticas. O relato do General Enio Pinheiro considera o mau tratamento dispensado a Frota, a aspereza e como quase lhe bateu, quando lhe disse reiterada e claramente: “Quero o cargo”. Mostrou o decreto já assinado por ele e repetiu: “O cargo é meu. Assina!” Frota recusou-se, questionou Geisel sobre a impecabilidade de seus procedimentos e lhe retrucou que não sairia, pois “o cargo é meu e quem o está ocupando sou eu”. Após a ruptura, Geisel lamentou-se: “Frota, eu não queria que você se tornasse meu inimigo por causa dessas coisas”. (CPDOC, Centro de Pesquisa e Documentação Histórica, FGV. SP. Entrevistas gravadas, revisadas e autorizadas, 1992-1994). 

Quando Sarney foi o relator da Emenda Constitucional que acabou com o AI-5, menciona que Geisel apenas fez a troca da expressão os “Direitos do Homem” por “Direitos Humanos”. Com relação ao afastamento dos Estados Unidos, ele nos diz que o ressentimento do presidente adveio de quando o Brasil foi alvo da Doutrina Carter dos Direitos Humanos e indignado, “sem consultar ninguém”, rompeu o acordo militar Brasil-EUA (Entrevista citada, Ibidem). 

Considera-se que o Itamaraty vivenciou uma política de vanguarda em plena Guerra Fria, quando um regime militar de direita foi o primeiro país a reconhecer não só a independência de Angola, mas a apoiar todos os movimentos de libertação africanos e os seus discursos socialistas. O desaquecimento mundial e o contexto internacional conturbado intensificou as relações do Brasil com a África, consolidadas pela chancelaria. 

Geisel, e depois Médici, adotaram uma política interna sem amarras ideológicas. No governo Geisel, a aproximação com a África foi intensificada pelo chanceler Antônio Azeredo da Silveira. O fruto dessas parcerias econômicas e comerciais resultou em aproximação com a Costa do Marfim, na inauguração de agências bancárias como o Banco Real e a quinquagésima agência do Banco do Brasil, além do estabelecimento do voo da Varig Rio de Janeiro – Abdijan.  (Humberto. Cláudio, A falência da Política Africana do Brasil, Diário do Poder, 09/10/2018). 

Já no governo Médici, o Itamaraty formulou uma política externa africana para o Brasil, a partir das diretrizes da Política Externa Independente precedida por Santiago Dantas no governo Jânio Quadros. Com o chanceler Mário Gibson Barbosa, fez-se um périplo pelos países africanos do Atlântico Sul para fortalecer a aproximação. A política externa africana brasileira foi enfraquecida a partir da redemocratização dos anos 80, no auge da crise financeira com fortes reduções no PIB brasileiro. 

A situação econômica acentuou a crise política, influenciou no fim do regime militar e alimentou construções teóricas de responsabilizar o regime pela opção de crescimento econômico, quando do primeiro e do segundo choque do petróleo. 

Segundo os documentos gravados do CPDOC, Figueiredo (1979-1985) não tinha o perfil para contornar crises.  Para o general Meira Mattos “não era um homem com capacidade para ser Presidente da República” e o Brigadeiro Etchgoyen o considerava um presidente que “não sabia pesar a responsabilidade e as obrigações do primeiro mandatário do País”. 

Com a eleição de Lula em 2003, olhos voltados para a África e afastamento dos Estados Unidos, é retomada a política inaugurada por Geisel e Médici. O BNDS, com bilhões de dólares disponíveis, dá sustentação a esta pseudo nova política africana, desta feita, direcionada aos grandes grupos empresariais selecionados e escolhidos pela burocracia partidária do poder. 

A política transforma-se em grandes negócios, à parte, a abnegação do serviço exterior brasileiro, menosprezado dentro da cúpula do próprio Ministério, e sai da órbita diplomática para cumprir um projeto interno específico (Cláudio Humberto. Idem. Ibidem). 

Hoje, ao perder o Brasil o espaço obtido graças aos objetivos desviados, a China avança, em processo de deglutição da África, esboçando apetite desmedido com relação ao próprio Brasil.

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