HIPOCRISIA
SINCERA
Rui
Martinho Rodrigues*
A Revolução Francesa bradou: igualdade, liberdade e fraternidade! Encaminhou-se, porém, para o terror do Período Jacobino, quando milhares de cabeça rolaram sob a “fraternidade” da guilhotina. O puritanismo evoca virtudes entre as quais devem estar a piedade, a tolerância e o respeito à vida. O puritano Oliver Cromwell instaurou uma república marcada pela rigidez, intolerância e violência.
Contemporaneamente pessoas que se percebem como democratas defendem e impõem restrições à liberdade de expressão, recorrem à censura não só no campo político, mas até no campo religioso. Desrespeitam a liberdade de consciência. Criminalizam a crítica defendendo, recomendando e percebendo-se críticos.
O garantismo seletivo do STF não o impede de prender sem denúncia formal do Ministério Público; instaurar inquérito contrariando o parecer do Parquet e desrespeita o princípio do processo acusatório, misturando a condição de vítima, investigador, acusador e juiz. Grupos que se percebem democratas fazem ou apoiam manifestações violentas e acusam de antidemocratas manifestações pacíficas. A Crítica da intolerância, a defesa do pluralismo e a virtuosa reprovação das discriminações odiosas não raro leva, à intolerância e discriminação reversa.
Hipocrisia é fingimento, dissimulação. É apresentar algo diverso do que sente ou pensa. Fariseus tornaram-se exemplo de hipócrita. Mas não há registro de que este grupo tenha violado formalmente a literalidade da lei mosaica. Cristo os acusou de hipocrisia pela observância somente da letra da lei, sem o cumprimento do espírito desta. Está escrito (II Corintios, 3;6) que a “letra mata e o espírito vivifica”. Os fariseus santarrões cumpriam e cobravam com máximo rigor as formalidades da lei. Afastavam-se, todavia, do espírito da normatividade debatida.
A hipocrisia deles era “sincera”, no sentido de que formalmente defendiam e cumpriam o que era formalmente certo. A falsidade estava no espírito de suas motivações: exibir virtudes, perseguir pessoas e exercer poder. Acrescente-se que o farisaísmo, apresentando-se como movimento religioso e nacionalista, obteve apoio expressivo da população e tornou-se poderoso.
As virtudes têm um lado paradoxal. Ensejam o sentimento de orgulho,
de superioridade moral. São confundidas, na tradição iluminista, com o
esclarecimento. Apresenta-se como ciência, mas não passa de cientificismo. Supõe
que o desenvolvimento cognitivo pode aperfeiçoar o homem. Isso os coloca como
detentores do monopólio das virtudes. Presumem-se superiores moral e
intelectualmente.
O anseio de um ordenamento cognitivo dotado de totalidade,radicalidade e absolutidade é universal. O desejo de superar a finitude leva ao esforço de transcendência. Estas aspirações do campo cognitivo e psicológico são universais explicam a universalidade do fenômeno religioso, conforme Thomas O’Dea, na obra “Sociologia da religião”. Daí a existência de religiões políticas que prometem satisfazer a estes requisitos. O farisaísmo acomete fortemente as religiões políticas. Raymond Aron aludiu ao “ópio dos intelectuais”, em obra com este nome, em razão da semelhança entre as religiões com Deus e aquelas sem Deus que divinizam suas formulações.
O farisaísmo político é o mais pernicioso. O hipócrita laico apenas paga tributo às virtudes ao fingir respeitá-las. O fanatismo é a insegurança supercompensada dos convictos. Este é o DNA da hipocrisia “sincera” que padece da falta de autocrítica. É vontade de potência, na visão de Nietzsche, e é opressiva.
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