sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ARTIGO - A Era da Incerteza (RMR)

A ERA DA INCERTEZA

Rui Martinho Rodrigues*

 

Eric John Hobsbawm (1917 – 2012) escreveu uma série de livros sobre vários períodos históricos aos quais denominou como eras: A Era dos Impérios, A Era das Revoluções, entre outros. John Kenneth Galbraith (1908 – 2006) escreveu A Era da Incerteza, obra lançada no Brasil pela Editora Pioneira em 1980, antes, portanto, das grandes transformações do nosso tempo.

Galbraith antecipou-se às incertezas criadas pelas novas tecnologias. Estas permitem um grau de controle dos cidadãos maior do que o imaginado por George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950) na obra “1984”. Vaticinou a imprevisibilidade do mundo antes das surpresas das redes sociais. Vislumbrou a desorientação do mundo antes da implosão da URSS e a multipolaridade superveniente a este evento. Percebeu a perda de referências antes da desindustrialização dos países desenvolvidos e do deslocamento do poder econômico, político e militar para a Ásia e o Pacífico, além da proliferação de armas nucleares, da globalização e do ensaio de recuo desta.

A acuidade da percepção do visionário Galbraith, assinalando as incertezas do nosso tempo, foi confirmada pelos fatos. Hobsbawm, historiador, contemplou o passado. Galbraith, economista e filósofo, olhou para o futuro com muita perspicácia. Mas nem tudo é incerto. Não é duvidoso que quem perder o bonde da revolução tecnológica será prejudicado. Tampouco se duvida que o novo mundo surgido das transformações em curso exige reformas profundas em praticamente todos os campos.

Também é certo que a migração de parte das indústrias instaladas na China poderá dirigir-se para onde houver segurança jurídica, dada por regras claras (a espécie normativa “regra” só tem uma hipótese de incidência); onde houver infraestrutura atraente; e, preferivelmente, onde existam recursos naturais; e, finalmente, mão de obra qualificada.

A nossa história é um desfile de oportunidades perdidas. O burocratismo da herança patrimonialista ibérica, descrita por Raymundo Faoro (1925 – 2003) na obra “Os Donos do Poder”, se opõe a tudo isso. O estamento burocrático defende ferozmente as próprias vantagens, contando com amplo apoio, após convencer grande parte da opinião pública, ou como diria Winston Leonard Spencer-Churchill (1874 – 1965), da opinião publicada, que a defesa da apropriação do aparato estatal pelo patriciado é melhor para os desvalidos. 

À semelhança da “nomenclatura” soviética, a experiência repetida na Iugoslávia, conforme descrito por Milovam Djilas (1911 – 1995), na obra “A nova Classe”, mostra que a burocracia dona do poder é muito poderosa. George Orwell também denunciou a dominação dos dirigentes do Leviatã, na obra “A Revolução dos Bichos”.

A aliança entre diferentes grupos que se beneficiam da velha tradição patrimonialistas, de um lado; e o despreparo e a incompetência dos que a ela se opõem parecem dizer que a incerteza não é tão grande: as profundas reformas dificilmente serão realizadas. Não estamos acompanhando a revolução tecnológica. 

Quanto aos novos destinos das indústrias serão realocadas para evitar a dependência do à China, já se fala no México e na Polônia, que são próximos dos grandes centros consumidores. Os nossos recursos naturais e as dimensões do nosso parque industrial, que pode fornecer componentes, poderia atrair investimentos. 

Também a nossa infraestrutura de transportes parece estar recebendo um grande impulso. Mas a instabilidade normativa e a insegurança jurídica, somada às peculiaridades de um sistema tributário, desestimulam investidores. Não é tão grande a incerteza, para tristeza nossa.


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