quinta-feira, 26 de março de 2020

ARTIGO - Politica, Conflito e Negociação (RMR)


POLÍTICA, CONFLITO
E NEGOCIAÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*


Entre duas hipóteses baseadas nas mesmas evidências, a mais simples provavelmente é a mais certa, preleciona William de Occam (1285 – 1347). A mais complexa assim o é por necessitar de sucessivas emendas. Isso vale para a análise de fenômenos simples.

A política, porém, que é um campo de grande complexidade, exige análise igualmente complexa, para evitar incorrer em reducionismo. Negociação e conflito são presença recorrente nos negócios da polis. Partidos, interesses, paixões, ideias, força, valores em sentido axiológico, representação, liderança e regras do jogo são alguns dos seus elementos.

Samuel P. Huntington (1927 – 2008) assinalou a fragilidade do Estado sem partido. Representação, definição de interesses, ideias ou princípios e lideranças encontram nas agremiações partidárias uma via de expressão de grande relevância, condições propiciadoras do processo democrático.

Faltam-nos todas estas condições. A importância dos líderes não é reconhecida apenas pela concepção personalista da História. Até pensadores que têm como principal unidade de análise a categoria teórica “classe social”, como Gueorgi Valentinovich Plekhanov (1856 – 1918), admitiu que grandes homens desempenham um papel importante no desenvolvimento histórico.

Henry Thomas Buckle (1821 – 1862), que por caminhos diferentes de Plekhanov, formulou uma interpretação nomológica da História, admitiu, ao lado da ação dos fenômenos exteriores sobre o espírito, a ação do espírito sobre os fenômenos.

Reconheçamos: líderes são influentes. A falta deles, no grave momento que vivemos, é prejudicial. A falta de representação de interesses, segundo prioridades, canalizada por agremiações minimamente representativas, dificulta a negociação.

Quem não negocia, combate. A escolha do conflito como rota de ação política pode resultar da imitação de exemplos externos e da falta de habilidade diplomática. A impossibilidade de diálogo com adversários que consideram a ordem socialmente estabelecida como imposição de vencedores no conflito social, negociando com ardil, também dificulta o entendimento.

O maior obstáculo é a disputa em torno de valores, paixões, interesses e convicções inegociáveis, e a crença nas próprias forças para obter vitória no confronto. Donald John Trump optou pelo conflito no jogo político. Fê-lo com o apoio de um partido forte, e no contexto de instituições sólidas.

Repetir o feito no Brasil, sem partido; sem instituições tão sólidas; no ambiente de valores e princípios macunaimicamente líquidos; enfrentando problemas muito mais graves é uma escolha perigosa.

Vivemos o drama de uma pandemia que abalou os sistemas hospitalares de países muito mais desenvolvidos. A tragédia assim configurada não tem precedente nas sociedades urbanas, com grande mobilidade geográfica, grandes aglomerados e grande parcela formada por idosos, cardiopatas, diabéticos, obesos, imunodeprimidos e outros grupos vulneráveis.

O drama exigiu medidas extremas, inquestionavelmente úteis. Resta saber como sair delas antes que a hecatombe social se torne maior do que o desastre do vírus. A procura de soluções compatíveis com as peculiaridades sociais e financeiras do Brasil, com toda a diversidade geográfica, cultural e econômica exige entendimento.

Critérios técnicos são mais fáceis de harmonizar do que paixões e convicções políticas ou interesses particularistas. Permanece, todavia, a reserva do possível. O acirramento dos ânimos e a polarização permitem a opção pela negociação? Ou o conflito é uma imposição da realidade?


Um comentário:

  1. Professor Rui, meu respeito. "A navalha de Occam" poucos a conhecem! Mais acostumados estão à lingua viperina e bífida da esquerda. Grande abraço.

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