A PROPAGAÇÃO
PERFEITA
Rui Martinho Rodrigues*
A atual pandemia resulta das condições de propagação do vírus. Os
fatores que a impulsionam são classificados como relacionados ao agente
etiológico, ao modo de transmissão, ao hospedeiro e ao ambiente. No caso presente
todos concorrem para a disseminação da infecção.
O agente tem elevadíssima infectividade, que é a capacidade de se
instalar no hospedeiro, permanecer e se multiplicar. Por isso o menor contato é
suficiente para a transmissão. Quantidades mínimas de inoculação bastam para
transmitir a infecção. A patogenicidade, que é capacidade de manifestar sinais
e sintomas evidentes da doença, se dá tardiamente, ensejando a transmissão pelo
portador aparentemente são, durante o período de incubação.
A virulência, ou
poder de provocar efeitos patológicos graves, também é baixa, originando a
figurante do doente acometido de sinais e sintomas leves, que a semelhança do
portador são, continua circulando e transmitindo a infecção. Aspectos
clinicamente favoráveis, neste caso, são epidemiologicamente desfavoráveis. A
capacidade do agente sobreviver no ambiente é outro fator importante. Conforme
notícias, este vírus continua viável por até doze horas em superfícies secas do
ambiente. Todos os fatores do agente são favoráveis a disseminação.
Os fatores relacionados com o modo de transmissão, no caso do
coronavirus, também favorecem a rápida disseminação do agente infeccioso, que
pode ser inoculado pelas vias respiratórias e pelas mucosas. Isto é: ser
aspirado com o ar, veiculado por gotículas em suspensão. Basta partilhar o
ambiente de um elevador, ônibus, avião, restaurante, sala de aula, teatro, bar
e até ambientes abertos, quando perdigotos de portadores estejam presentes no
ar, espargidos pela tosse, espirro ou simplesmente pela fala de um transeunte
situado a pequena distância, situação que impõe isolamento como prevenção. A
inoculação pelas mucosas é propiciada pelas mãos que coçam os olhos, visitam o
nariz ou outras superfícies corporais menos protegidas pela barreira tegumentar,
originando a necessidade de lavar as mãos constantemente.
Fatores do hospedeiro não faltam. A situação é perfeita para a
propagação do vírus. A população mundial nunca teve uma parcela tão grande de
idosos, que são vulneráveis ao agente, originando situações graves e
superlotando hospitais e ambulatórios. Netos nunca foram tão cuidados pelos
avós. Registre-se que as crianças são levemente acometidas pela Covid-19,
tornando-se veículos que transportam a infecção até os avós, hospedeiros
vulneráveis. Imunodeprimidos por comorbidades tornaram-se mais comuns devido ao
envelhecimento da população e maior incidência e prevalência de enfermidades como diabetes, cardiopatias e tantas outros quadros que fragilizam pessoas.
Nunca tivemos tantos hospedeiros tão vulneráveis, tanto do ponto de vista da
disseminação, como da severidade do quadro produzido pela infecção.
A globalização criou um mundo integrado. Turismo e viagens de
negócio nunca foram tão frequentes. Nunca tivemos cidades tão grandes, com
tantos elevadores, ônibus, metrôs e restaurantes. A escolaridade nunca foi tão
ampla e tão precoce, aglomerando pessoas nas escolas. Os fatores do ambiente
nunca foram tão favoráveis ao vírus. A vida extradoméstica nunca foi tão
intensa. Fatores que contribuem para uma boa qualidade de vida estão agravando
a pandemia que está levando ao discreto abandono de idosos doentes, por
absoluta impossibilidade de atendê-los, na Europa ocidental bem dotada de
serviços de saúde.
Tudo concorre para uma tempestade perfeita.
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