ALMA DE GATO
Humberto Ellery
Este fato que irei narrar, embora um tanto inverossímil, é
absolutamente verdadeiro.
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Diariamente, quando eu estava saindo para almoçar, ele estava
chegando para fazer seu programa. Eram encontros rápidos, na porta da rádio,
onde sempre trocávamos um rápido aperto de mãos e um “Oi, tudo bem?” e “dois
dedinhos de prosa”.
A rádio ficava na esquina da Av. Estados Unidos (hoje Virgílio
Távora) com a Av. Antônio Sales, onde hoje estão dois enormes prédios
residenciais. Eu já estava saindo para almoçar quando vi o Peixotão entrando no
estacionamento em frente à rádio e encaminhando seu fusca vermelho rumo à
sombra de um frondoso cajueiro. Parei para esperar por aquele encontro tão
fraterno e simpático de todos os dias.
Inopinadamente o Peixotão freou o carro, desceu apressadamente, sem
sequer fechar a porta, e correu em minha direção perguntado: “Você ouviu? Você
ouviu?”. Sem entender nada, balbuciei: “Ouvi o quê, Peixoto”, afobadamente ele
disse: “O gato, a alma do gato, ele miou” – e me puxou pela mão para a
proximidade do carro, sinalizando para que eu ouvisse um miado que só ele
ouvira.
Em seguida, ainda muito tenso, ele me contou: “Anteontem à noite eu
matei um gato atropelado, mas não tive culpa, ainda tentei desviar, mas não
deu. Eu ouvi nitidamente o barulho do corpo do bichinho batendo no soalho do
carro, foi horrível. Eu, que não mato nem barata, matei um gato”.
“E eu adoro gatos. Parei o carro e voltei a pé, no escuro para
tentar salvá-lo, levá-lo a uma clínica veterinária, mas não achei nada, nem
marcas de sangue no chão. Minhas preocupações começaram ali. Que gato estranho
era aquele, que é atropelado e não tem cadáver?” Era uma alma de gato.
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Em seguida contou que mandara lavar o carro, inclusive o motor,
vistoriou todo o carro e nem sinal de gato. No entanto de vez em quando ele
miava como se estivesse dentro do carro o que o deixava assombrado, e isso já
entrava no terceiro dia. Para sossegá-lo recomendei que fosse fazer seu
programa, que já estava na hora de ir ao ar, enquanto eu tentaria resolver o
mistério.
Mandei chamarem o Mincharia, que era o motorista/mecânico da rádio,
e pedi que ele examinasse o carro e tentasse descobrir o tal gato, que nessa
hora miou nitidamente, eu ouvi, o Mincharia também ouviu, e disse : “Já sei
onde está o danado deste gato”. Foi buscar suas ferramentas e desmontou aquela
estrutura que protege a ventoinha do motor do fusca. E lá estava o pobre gato,
já quase morto, encolhido num espaço mínimo entre a ventoinha e a lataria do
motor, para onde fora sugado durante o atropelamento.
Desfeito o mistério da alma do gato, durante muito tempo serviu
para animar nossas brincadeiras com o meu saudoso amigo José Olavo Peixoto (o “de
Alencar” ele acrescentou depois).
COMENTÁRIO
Elleryzando um pouco, o médium vidente Almerindo Reis me contou que certa manhã tentou pegar o seu gato que lhe passava sobre os pés, e então percebeu que era apenas o seu espectro. Não era o animal em carne e osso. Ficou meditativo. Na tarde daquele dia o bichano morreu atropelado.
Elleryzando mais, certa noite eu passava por um beco pouco iluminado que dá acesso à Avenida Beira-Mar, exatamente onde dois rapazes mataram um homem, que foram julgados pelo Tribunal do Júri, em sessão em que eu funcionara... e eles foram absolvidos.
Eu comentava o fato com a família quando o meu carro atropelou uma pessoa. O barulho foi grande, a camionete estremeceu, o povo que estava nos bares acorreu para ver o acontecido. Não havia ferido, não havia cadáver, não havia amassadura, não havia nada. Verifiquei que os relógios marcavam meia-noite, e, depois, que naquela data o crime completava um ano, exatamente.
Reginaldo Vasconcelos
Meu pai e suas histórias... artigo gostoso de lê! De onde ele estiver, estará dando boas risadas..
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