O LABIRINTO
DA CIÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*
A instituição universitária tem origem medieval. Tem os genes do
corporativismo de suas origens. Sobreviveu às transformações históricas,
demonstrou versatilidade e resistência. Entre os Séculos XV e XIX, porém, limitou-se
a defender saberes estabelecidos com posturas dogmáticas. Posteriormente a
riqueza e o poder sentiram agudamente a instrumentalidade do conhecimento
válido.
Letrados, peritos e escribas ganharam importância, conforme descreve
Carl Wright Mills (1916 – 1962), na obra “A Elite do Poder”. Os três tipos
citados são variações do intelectual, ou, mais precisamente, seus precursores,
conforme Raymond Arond (1905 – 1983), na obra “O Ópio dos Intelectuais”.
Os feitos da Revolução Científica do Século XVII, no campo das
ciências da natureza, trouxeram prestígio para a ciência. As distinções entre
diferentes ciências, porém, escapam ao grande público. Nem toda ciência “proíbe”
resultados diversos de suas previsões, escapando ao teste de validação, que é a
falseabilidade proposta por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra
“Conjecturas e Refutações”.
A validação percorre caminhos tortuosos. A ciência é o conhecimento
mais confiável no campo fenomênico. Usufruir do prestígio que ela proporciona
rende farta colheita. O adjetivo “científico” adquiriu status de vaca
sagrada. A história do conhecimento científico, todavia, é um cemitério de
erros. Quatro modelos de átomo se sucederam em aproximadamente duzentos anos. A
queda de cada um deles é o enterro de um erro da ciência. O conhecimento avança
corrigindo erros. Não por ser infalível. Nem sempre a validação do conhecimento
é monolítica. A divergência é muito frequente na comunidade científica. A validação
por ela nem sempre é cristalina.
O número de publicações sofre distorção do paradigma dominante,
como assinala Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), em “A Estrutura das Revoluções Científicas” e pode atender a interesses de grupos. Artigos científicos podem
ser devolvidos com a sugestão de que o autor cite fulano e sicrano, promovendo-os.
Existe, ainda, o despreparo de alguns doutores. Eles nem sempre são doutos.
A orientação acadêmica, já o dissemos no livro “Pesquisa Acadêmica”
(está esgotado, não é propaganda), chega a recomendar um número mínimo e máximo
de páginas para trabalhos científicos, ignorando a complexidade do objeto, a
natureza do estudo, o estilo do autor e outros aspectos.
C. W. Mills afirmou: “O sociólogo que não for capaz de se expressar
em até cento e cinquenta páginas não sabe o que quer dizer”. Depois escreveu “A Elite do Poder”, com cerca de quatrocentas páginas. Consultores ad hoc
avaliam bibliografias pelo ano da edição das obras citadas e recomendam a
escolhas de objetos que estejam na moda. Livro sobre norma técnica já foi publicado
com o título de metodologia científica por ignorar o que seja tal coisa.
Karl Emil Weber (1864 – 1920) discorreu sobre ciência como vocação,
distinguindo ciência de política. Hoje prevalece o entendimento de que tudo é
política. Certamente o é. Impende, todavia, discernir entre diferentes
significados de política. Politizar problemas técnicos é um grave erro, como
invocar em vão o nome da ciência pode ser uma farsa.
Louis Althusser (1918 –
1990), após sair da prisão, negou que tivesse interesse em voltar ao meio
universitário. Justificou desqualificando o ambiente acadêmico onde viveu e foi
prestigiado. Não é um meio pior que a sociedade em geral, mas está longe de ser
melhor. Isso vale para a política. Misturar as duas coisas é reunir os defeitos
de ambas.
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