O DESGASTE DO STF
Rui Martinho Rodrigues*
O STF solta presos? Não qualquer um. Nem os
maiores empresários merecem o desvelo do Pretório Excelso para com o garantismo
penal. Só políticos de alto coturno, o que trouxe desgaste. O desgaste do
Judiciário, porém, tem um lado velho e outro novo.
O velho desgaste diz
respeito aos presos comuns que já cumpriram pena, que não têm contra si sequer uma
denúncia, delongas intermináveis nos processos, privilégios injustificáveis de outras vezes, e suspeitas de
corrupção por integrantes de todos os níveis do Poder em comento. O novo desgaste é o do STF.
As preciosas garantias democráticas que
protegem o Judiciário; o suicídio moral dos políticos; a Constituição analítica
(minuciosa), programática (traça o destino da sociedade), principiológica
(subordina a clareza das normas da espécie “regra” à vagueza dos princípios) e
rígida (impõe dificuldades às reformas) – armada de controle de
constitucionalidade concentrado (com efeito erga
omnes) – tudo isso ensejou a judicialização da política e o seu corolário: a
politização do Judiciário.
Consiste tal coisa em submeter à toga as decisões de
natureza política, supostamente para fazer justiça, alegando que as leis podem
ser inconstitucionais (injustas à luz dos princípios da Carta Política). Isso é
controle concentrado de constitucionalidade. O ordenamento jurídico é
hierarquizado e tem materialidade, não é apenas formal. Alega, ainda, a Nova
Hermenêutica, que precisa acompanhar as transformações históricas e superar a
impropriedade das normas genéricas, em face da singularidade dos casos concretos.
A Nova Hermenêutica está noventa e nove
porcento certa, mas aquele um porcento vagabundo é que faz sucesso, porque abre
as portas à subjetividade das partes, principalmente da autoridade. Não existe caso
singular, “não há nada de novo sob o sol” (Eclesiastes, 1;9 in fine). Tudo pode
ser “fundamentado” pelo contorcionismo hermenêutico.
As transformações históricas tendem a exigir mudanças no Direito, mas esta é uma tarefa do Legislativo. O STF não é um órgão supletivo do Parlamento. Os legisladores se negam a fazer modificações no ordenamento jurídico quando temem o eleitorado. Isso é veto tácito. A falta de apoio do eleitorado desmente as alegadas transformações históricas. A usurpação da função legislativa é presunção de “reis filósofos”, com evidente caráter aristocrático. O controle concentrado de constitucionalidade não deve ir além de legislar negativamente, excluindo normas inconstitucionais.
As transformações históricas tendem a exigir mudanças no Direito, mas esta é uma tarefa do Legislativo. O STF não é um órgão supletivo do Parlamento. Os legisladores se negam a fazer modificações no ordenamento jurídico quando temem o eleitorado. Isso é veto tácito. A falta de apoio do eleitorado desmente as alegadas transformações históricas. A usurpação da função legislativa é presunção de “reis filósofos”, com evidente caráter aristocrático. O controle concentrado de constitucionalidade não deve ir além de legislar negativamente, excluindo normas inconstitucionais.
Aquele um por cento vagabundo é a oportunidade
de legislar positivamente e de interpretar de modo claramente contrário ao
sentido do texto. É o que está na moda. Usa conceitos indeterminados, como equidade
e justiça, abrindo espaço à subjetividade da autoridade. Não consegue ocultar o
que Nietzsche (1844 – 1900) chamou de “vontade de potência”. Alegar que um Estado
bandido pode fazer leis iníquas contra as quais a Nova Hermenêutica armaria a
mão dos juízes é ingenuidade demais. Juízes não podem deter um Estado bandido.
Finda a ilusão da revolução pelas armas, sem
voto para fazê-la pela via democrática, vem a tentativa de realiza-la pelo Judiciário, com a Nova Hermenêutica Constitucional, com as constituições
dirigentes, programáticas, principiológicas e rígidas, com o controle de
constitucionalidade ao mesmo tempo difuso e concentrado. Culpam Hans Kelsen
(1881 – 1973), com a ênfase por ele dada à positividade das leis, pelos abusos
do nazismo, como se juízes, com a Nova Hermenêutica, pudessem impedir os crimes
de uma ditadura. Mas isso prejudica a segurança dos jurisdicionados, desgasta o
Judiciário e ameaça a democracia.
Porto Alegre, 27 de junho de 2018.
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