FELIZÔMETRO
Reginaldo Vasconcelos*
Não
costumo jogar na loteria, mas quando o faço sempre me assalta um
receio-paradoxo: ganhar o prêmio e me tornar infeliz.
Ainda
não inventaram o “felizômetro”, imaginário medidor do contentamento íntimo,
cujo ponteiro se elevaria por ocasião dos momentos de euforia, mas que não se
manteria elevado, necessariamente, pela simples obtenção de cabedal financeiro e patrimônio.
O
ouro pesa muito. Custa obtê-lo, pesa mantê-lo, pesa como chumbo o risco de perdê-lo,
porque perdê-lo não é tão simples como nunca tê-lo tido. A
privação franciscana pode enobrecer pela humildade, mas costuma aviltar, pela humilhação,
os que a ela retornam de inopino. Depois, nas partilhas, o ouro vira chumbo trocado,
gerando ódio entre os consanguíneos.
Ademais, ser
feliz é sentir-se útil, e os abastados vão perdendo a sua utilidade pessoal para
o utilitarismo do dinheiro que possuem. Valem pelo que têm, e intimamente
sabem disso. Ser
feliz é sentir-se amado... Mas, como distinguir o afeto verdadeiro da mulher
bela, do amigo prestimoso, do filho herdeiro?
Tenho
vitimado alguns, involuntário, pelos ácidos da inveja – por ser feliz, não por ser rico, que não sou e nunca fui. Mas certa vez matei um
homem, inadvertido, com os insuspeitados venenos de sua prosperidade pessoal.
Era
mecânico, dono de uma caixa de ferramentas, e vivia de biscates. Fora alcoólatra,
era abstêmio, pelos conselhos
evangélicos de uma Igreja. Morava distante, tinha uma filhinha, era feliz.
Quis
ajuda-lo, montei para ele uma oficina em prédio próprio em bairro nobre, anexa
a uma casa de morada em que instalou a família, e onde a mulher passou a explorar
um manicuro. Recomendei clientela vasta.
Prosperou,
voltou a beber, comprou um carro e envolveu-se em acidente tenebroso, perdendo
a vida e produzindo viuvez e orfandade. É o mesmo processo que mata, tanto os
novos ricos como os filhos da fortuna. O
fogo da abastança, a possibilidade de todos os excessos, os cães bajuladores
que lhes lambem as feridas, sonhando devorar-lhes as carnes tenras.
Enfim,
se o ponteiro do “felizômetro” está no alto, o prêmio da loteria é perigoso de
fato. O desejo moderado e a consecução gradual têm mais valor intrínseco que o
objeto desejado. “A conquista é tudo, o resto é quase nada”, como reza a sabedoria popular.
Não.
A felicidade não é privilégio da pobreza. Não iria eu zurrar tamanha asneira.
Até pelo contrário, o que digo é que esse privilégio também não é dos ricos, mas apenas
dos sábios de qualquer classe econômica, que sabem jogar corretamente com as suas circunstâncias.
É comum pensar-se erroneamente que são sempre
felizes os que nascem em berço áureo, ou que encontram o veio precioso, às
vezes com menos esforços que outros garimpeiros. Porém, os mais afortunados de
fato são aqueles que conhecem o segredo filosófico do cofre dos sorrisos.
Nota: Do livro “Traços da Memória - Laços
da Província - Volume II” – Crônicas –Multigraf Editora – Fortaleza – 1993.
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