A JUDICIALIZAÇÃO
DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Rui Martinho Rodrigues*
As relações sociais foram judicializadas pelo
maior acesso ao Judiciário e pelo desprestigio dos mediadores e árbitros costumeiros,
como pais, parentes mais velhos, clérigos e outros. A intolerância foi
confundida com dignidade. A Carta Política analítica e programática positivou
os princípios gerais do Direito, dando-lhes abrangência universal, fagocitando
todos os direitos, ameaçando abolir a legislação infraconstitucional,
entronizando o Judiciário como órgão legislativo supremo. Princípios gozam de
grande prestígio. Um homem ou uma doutrina sem princípios nada valem. O “caso
concreto” nunca é apreciado com justiça pela generalidade da norma – dizem
autores renomados. A interpretação sistemática, teleológica, entre outras, são
necessárias à realização do Direito, dizem eles com razão nesta parte.
A argumentação é poderosa e vem do primeiro
mundo. Esquecem-se, todavia, os doutos autores que admitir exigibilidade de
normas programáticas é desafiar a reserva do possível; ao invocar o “caso
concreto” estão considerando a singularidade do mesmo inalcançável pela norma.
A sabedoria salomônica, porém, nos diz: “Nada há de novo debaixo do sol”
(Eclesiastes, 1;9, in fine). O que não é inédito não tem singularidade, e pode
ser alcançado pela norma genérica.
O poder dado à autoridade seria mitigado pela
obrigação de fundamentar os seus atos com razoabilidade, proporcionalidade,
equidade e justiça. Esquecem-se os festejados autores que um pouco de contorcionismo
hermenêutico pode “fundamentar” qualquer coisa; razoabilidade,
proporcionalidade, equidade e justiça são conceitos indeterminados, abertos à
subjetividade e ao arbítrio da autoridade, e não há justiça sem segurança
jurídica. Nós precisamos saber o que é proibido, obrigatório e deixado à livre
negociação. Nada se sabe diante de conceitos indeterminados. Cabe ao legislador
explicitá-los.
A Constituição não deve cercear tanto o
legislador ordinário sendo tão analítica, tão programática, o intérprete não
deve ser tão criativo e o STF não é um órgão supletivo do Congresso, para
legislar sobre o que o Parlamento não legisla. A rigidez constitucional e o
controle de constitucionalidade precisam existir, mas não podem impor à
sociedade caminhos minunciosamente detalhados, impostos pela maioria ocasional
do constituinte originário. É proveitosa a abrangência dos princípios
constitucionalizados, quando limitados às matérias constitucionais próprias,
pois contribuem, com a sua abrangência, para preencher as lacunas da lei, prestando-se
à integração do Direito.
Muitos enxergam os inconvenientes da
judicialização da política. Falta reconhecermos os inconvenientes da
judicialização das relações sociais. A publicização do Direito Privado afasta a
regra segundo a qual tudo o que não é proibido é permitido, substituindo-a pela
regra do Direito Público, que considera proibido tudo o que não é permitido
expressamente, aniquilando a liberdade negocial. O DNA do Direito Civil
Constitucional é totalitário.
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