MACHISMO
OU
ESTUPIDEZ?
Humberto
Ellery*
A cena de alguns brasileiros idiotas e
embriagados, aproveitando a simpatia e até uma certa ingenuidade de jovens
russas, e as “ensinando” a dizer palavras de baixíssimo calão em português me
deixou indignado, como de resto a todo o Brasil.
Lembrei-me de uma cena semelhante, mas
completamente involuntária, que presenciei em Londres, e até de que participei.
Estávamos eu e um grande amigo, médico do navio em que viajávamos, o Dr.
Lamartine de Andrade Lima, homem culto, inteligentíssimo, membro do Instituto
Histórico e Geográfico da Bahia, sua terra natal. Um dos “papos” mais
agradáveis que conheci, por seu brilho intelectual e humor, sempre pronto a
fazer um comentário jocoso e oportuno sobre qualquer fato do dia a dia.
Estávamos em visita ao Museu Madame Tussaud,
admirando os belíssimos trabalhos em cera, quando a efervescente e galhofeira
verve do Lalá (como nós o chamávamos) resolveu fazer uma brincadeira com os
visitantes do Museu. O Lalá é um homem corpulento, alto, um pouco obeso e muito
parecido com o cineasta Alfred Hitchcock.
Então, na curva de um dos corredores do museu
ele parou, e quase encostado na parede assumiu uma pose dramática e se pôs
estático, quase sem respirar, como uma das figuras expostas. A minha parte na
brincadeira foi ficar olhando para ele e examinando de perto sua figura.
Fazíamos ambos um enorme esforço para não sorrir. Como era de se esperar, começou
a juntar gente, procurando na parede uma plaquinha que o identificasse, e
admirando a perfeição da estátua, que elogiavam (“parece até que está vivo”), e
perguntavam entre si quem seria aquele personagem.
De repente alguém falou, em inglês, “Eu suponho
que é Mister Hitchcock”. Foi o quanto
bastou para que explodíssemos numa gargalhada que assustou os admiradores da
estátua que parecia viva. As pessoas, passado o susto, reagiram com simpatia,
sorrindo e fazendo comentários amáveis ao trote que passáramos neles.
A seguir vimos uma estátua de Marilyn Monroe
que nos decepcionou. Como fãs da grande atriz, esperávamos uma estátua que
mostrasse toda sua exuberância e sensualidade, como no filme “O Pecado Mora ao
Lado” (The Seven Year Itch). No entanto, representaram-na como no filme “Os
Desajustados” (The Misfits), seu último filme, quando a estrela, já próximo à
sua morte, dependente de calmantes, era apenas uma sombra esmaecida daquela
deusa cheia de sex appeal que esperávamos encontrar.
Em volta da estátua estavam algumas famílias,
com diversas crianças, que percebi serem franceses, mas o Lalá,
distraído, não percebeu. Então, com aquele descuido com palavras deseducadas
quando estamos no exterior, e como estávamos na Inglaterra, o Lalá me olhou e
comentou: “Que merda”, as crianças francesas imediatamente se voltaram para ele
com ar de desaprovação e espanto, pois as palavras são quase iguais, em francês
é “merde’. Eu apenas disse: “Lalá, são franceses”. O Lalá, então, morto de
vergonha, e fluente em francês, se desmanchou em desculpas.
Foi um custo, depois, tirá-lo do estado de
tristeza que o fazia repetir: “Que vergonha, Ellery, como é que eu dou uma
dessas”.
Quanta diferença de um homem digno para um
bando de imbecis!
COMENTÁRIO
O
cronista lança uma indagação no título, que ele mesmo não resolve ao longo do
seu primoroso texto, repleto de graça e saudosismo. Então, a questão do título
fica em aberto, cabendo ao leitor – ou a este comentarista – responder.
Estupidez,
sim. Machismo, não. O conceito de “machismo” importa no vezo de uma supremacia
autoritária sobre a fêmea, de uma desvalia acintosa sobre as prerrogativas
sociais femininas. A celebração infantil de um grupo de idiotas sobre hipotéticos predicados
genitais da moça não correspondem a esse “ismo”.
Por
exemplo, troquemos as bolas (com perdão do trocadilho), e imaginemos a situação
oposta em que brasileiras ébrias fizessem a mesma coisa com um russo,
induzindo-o a cantar obscenidades semelhantes – quem sabe sobre as presuntivas vantagens
de seus próprios dotes fálicos. Elas poderiam ser tachadas de devassas, nunca de
“feministas”.
Também
não tem cabimento a conotação penal que a imprensa brasileira deu ao caso,
porque, para que se verifique um crime de ação privada, é necessário que haja uma vítima – que
reclame pela lesão sofrida, ou que, em sendo incapaz, um representante legal o
faça por ela.
Não
consta que a moça em questão seja menor, ou deficiente mental, para se caracterizar
como vulnerável moral, ao ponto de cantar espontaneamente em língua estrangeira
sem saber o significado. Ela provavelmente imaginava que dizia sandices, em
idioma estranho, e embarcou na brincadeira.
Entretanto,
ao que parece, há uma Convenção Internacional que coíbe deboches cometidos
contra pessoas estrangeiras, e aquele vídeo – a critério das autoridades russas
– pode ser tido como meio de prova de que aquela nação foi afrontada – menos pela
brincadeira do grupo, que a ninguém lesou, mais pela sua divulgação na rede
social, com potencial para atingir a suscetibilidade nacional.
Outro
absurdo que se ouviu na grande imprensa brasileira a respeito do caso, da boca
de conceituados repórteres, foi a decretação de que “ninguém ache graça!”, pois
que aquele vídeo “não tem graça nenhuma!”. Ora bolas! A que ponto chega o fascismo
do “politicamente correto”. Cada um que decida do que achar graça ou deixar de
achar.
Enfim,
note o insigne Humberto Ellery, atente o seu leitorado, que a chamada “ideologia
de gênero” é o reino da incoerência e do paradoxo. Uma repórter russa recebeu
um beijo de um turista, durante a sua elocução, na cobertura desta Copa de Futebol – e o mundo modernoso considerou
que houvera assédio grave.
Mas, quando um jornalista brasileiro, cobrindo evento desportivo no Brasil, foi cercado por mulheres estrangeiras, que também lhe pespegaram beijos, conforme circula na Internet e abaixo repercutimos –
neste caso se acha não houve ofensa alguma. Espere! E a ideia que prepondera não é de
que os sexos são iguais?
Reginaldo Vasconcelos
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