segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

ARTIGO - Uma Academia para o Povo (WI)


Uma Academia

para o povo

A praça é do povo

como

o céu é do Condor

(Castro Alves)

 

Wilson Ibiapina*


A Praça do Ferreira já foi palco de tudo que você possa imaginar. Tudo que envolvia o povo de Fortaleza passava pela praça. Políticos, músicos, artistas, camelôs desempregados e intelectuais, cada grupo tem até hoje seu canto, sua roda de papo, um lugar para apreciar o movimento, como os paqueradores que se postam lá à espera de que a brisa que sopra da praia levante as saias das mulheres.

Essa praça foi o berço da opinião pública do Ceará. É nela que os problemas da Cidade e do Estado são discutidos, desde o tempo em que a Prefeitura era chamada de “Intendência” e o Estado de “Província”. Só que o povão não tinha voz, só podia ouvir.

Meu saudoso amigo Alberto Santiago Galeno, advogado, contista, historiador e trovador, no seu livro sobre a Praça do Ferreira lamenta que o povo cearense tenha sido tão insultado, tão caluniado pelos escritores reacionários dos anos 20 e 30, como Gustavo Barroso e Gomes de Matos.

Segundo o neto de Juvenal Galeno, para esses dois o povo era massa falida, ralé, massa ignara que só merecia o desprezo. Naquele tempo, os senhores do poder mandavam empastelar jornais, prender, surrar e matar jornalistas, tentando impedir a divulgação de fatos que achavam não deviam chegar ao conhecimento do povo.

Mas como nem todos comungavam dessa cartilha, na manhã de um domingo de março de 1922 um grupo de intelectuais, tendo à frente o professor Euclides César, paraibano de nascimento, cearense por adoção, fundou uma Academia Polimática – a primeira e única do País, para levar conhecimento ao povo.

Durou apenas de 1922 a 1924, mas foi a mais democrática e eficiente de quantas academias já existiram no Brasil. Essa academia não tinha estatuto, nem regras, muito menos preconceitos. A Polimática tentava chegar ao povo para esclarecê-lo, para educá-lo. O polímata é a pessoa que sabe muito, sobre tudo.

O italiano Leonardo as Vinci é reconhecido como o maior polímata da história. Tinha habilidades em artes, engenharia, arquitetura, geologia, fisiologia, anatomia etc. No Brasil, são considerados polímatas Rui Barbosa, Gilberto Freyre, Mário de Andrade.

No Ceará, o paraibano Euclides César, professor de línguas da Fênix Caixeiral, fundou a Academia Polimática por achar que a cultura não devia ser privilegio das elites, e sim um bem de toda a sociedade. A Academia Polimática de Fortaleza realizava suas sessões na Praça do Ferreira.

Os oradores, que não podiam ser aparteados, falavam sobre todo e qualquer assunto diretamente para o povo. Alberto Galeno conta que um dia Moesio Rolim representou “A ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, correndo o risco de ser amaldiçoado pelo bispo Dom Manoel, já que se tratava de obra condenada pela Igreja.

A entidade, que chegou a reunir mais de dois mil filiados, instituiu um dia para homenagear as mulheres e cogitou pedir a substituição do dia da árvore pelo dia do jumento. A Academia acabou no dia em que seu fundador ficou doente. Quando se recuperou, a entidade estava morrendo. Os associados haviam debandado, alguns para o Café Riche e o Maison Art Nouveau, pontos de encontro dos intelectuais na Praça do Ferreira.

Mas o professor paraibano não saiu de cena. Foi liderar movimentos intelectuais e de protestos pela liberdade. É ainda o ex-presidente da Casa de Juvenal Galeno quem revela: “No dia 19 de agosto de 1942, Euclides César desfilou à frente de manifestantes protestando, na praça, contra os nazistas que afundaram navios brasileiros. 

O povo, tomado de fúria patriótica, pouco depois promoveu quebra-quebra de lojas de alemães, italianos e japoneses. O professor Euclides morreu octogenário em Fortaleza no ano de 1973. Poucos lembram hoje desse educador, um idealista que fundou uma academia na Praça do Ferreira, destinada ao povo.




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