O MAL-ESTAR NA
CIVILIZAÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*
A civilização restringe pulsões. Regulamenta,
controla, disciplina, de modo mais legítimo ou mais ilegítimo, conforme tenha o
consentimento dos governados. Isso não deve ser a conclusão de um estudo. É o
óbvio. Deve ser o início de uma reflexão sobre a legitimidade das formas de
vigilância e controle, com perdão de Foucault (1926 – 1984).
A vida privada deve ter um mínimo de controle.
Basta que não lesione o outro. Assim, se não é proibido, é permitido. Os pactos
concernentes aos interesses privados devem apenas ter objeto lícito, sujeitos
capazes e forma não defesa em lei. O Direito Penal é o ultima ratio, restringindo apenas condutas previamente tipificadas
legitimamente como crime.
O mal-estar na civilização (Sigmond Freud, 1856
– 1939), gerado pelos limites impostos à convivência civilizada, resulta da
ambição de superar os limites da natureza e da razão. A busca da liberdade de
agir, mas também da liberdade de ser, rompendo os limites da natureza, geram
mal-estar, como o urubu que desejava ser um sabiá. A vontade de potência (Nietzsche,
1844 – 1900) para superar os fatos e a razão integram o dito mal-estar.
A reflexão crítica e o desenvolvimento
cognitivo ensejam a fantasia e o autoengano, como obstáculo epistemológico (Gaston
Bachelard, 1884 – 1962), subvertendo a razão. O voluntarismo romântico é uma
manifestação muito antiga. Está na alegoria do gênese, como o fruto da ciência
do bem e do mal, que nos permitiria ser como Deus (superando todos os limites),
segundo a promessa da serpente.
Assim, queremos fazer dívida, mas não queremos
pagar juros. Investimos o que não temos em um produto decadente como o
petróleo, em meio a escassez aguda de recursos. Não queremos fazer concessões a
investidores, que nos seriam rendosas, embora não tenhamos dinheiro para
investir, escolhendo não fazer nem deixar fazer estradas, aeroportos ou
exploração de petróleo.
Amaldiçoamos uma crise gestada ao longo de
muitos anos e elogiamos quem a cultivou. Dizemos que uma grande reserva de
divisas foi mérito de alguma administração, embora tenha resultado da
valorização de produtos primários em face da demanda chinesa. Fingimos que
estas reservas têm algum valor para gerar emprego, recuperar o sistema de
transporte, escolas, saneamento, embora sejam apenas uma proteção contra uma
crise cambial.
Vinculamos tributos à previdência,
transferindo o déficit desta para o Tesouro Nacional, como se o déficit deste,
de 159 bilhões, não fosse problema. Invocamos direitos como se eles resolvessem
problemas financeiros. Romantismo, interesses corporativos e planos
eleitoreiros produzem epistemofobia.
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