O MONOPARTIDARISMO
DISCRETO II
Rui Martinho Rodrigues*
A hegemonia ideológica do socialismo (em
sentido amplo) decorre de um complexo de fatores. O sonho do mundo sem
problemas levava os nossos índios, antes da chegada do invasor europeu, a
peregrinar em busca de uma “terra sem males”. Os gregos tinham uma deusa chamada Bem-Aventurança pelos seguidores, mas os críticos denominavam
Mentirosa. Ela prometia estrada e cama macias, além de colheita sem precisar
semear. Sua maior crítica era a deusa Virtude, para quem era preciso semear para
colher.
Utopias evidenciam a força do pensamento mágico. O mal-estar na
civilização, descortinado por Freud (1856 – 1939), destaca o desconforto com as
limitações da convivência social. Superar limites concebendo o inédito impulsiona
o progresso, quando exercitado com realismo e humildade para admitir erros e
abandoná-los.
Intelectuais trabalham apenas com ideias. Pisam
nos astros distraídos, podemos dizer, parafraseando Orestes Barbosa (1893 –
1966). Fertilizam com a fantasia o realismo dos técnicos, provocando a busca de
solução para realizar os devaneios da humanidade. Técnicos realizam algumas
fantasias e descartam outras.
O iluminismo armou-se do cientificismo. Confundiu
reflexão intelectual no campo dos fenômenos culturais com ciência da natureza.
Os agentes da história, porém, não se submetem ao determinismo de leis em
sentido científico, como ocorre, por exemplo, com a Física. O positivismo (assim como alguns marxismos), rebento tardio do iluminismo, concebeu uma “Física Social” que
depois chamou “Sociologia”. Leis científicas reúnem condições definidas,
conjunto de fatores e resultado determinístico. Os fenômenos históricos e
sociais não são determinísticos; não ensejam certeza de resultado.
O iluminismo é predominantemente francês. Levou
a uma revolução que passou seiscentas mil pessoas na guilhotina (MERQUIOR, José
Guilherme in FURET, François; OZOUF, Mona. Dicionário
crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989), tudo
isso sem uma ciência exata. Acabou coroando um imperador, sendo originariamente
republicana.
O prestígio da Cidade Luz e a confusão entre
ideologia e ciência revestiram os velhos sonhos e mitos com uma aura de
superioridade moral e intelectual. Na França do século XX, nos anos trinta, a
Frente Popular (Partido Comunista Francês, Partido Socialista Francês e Partido
Radical) opuseram-se ao rearmamento, em nome da paz, mas nunca foram responsabilizados
pela derrota diante da Alemanha. Só depois da invasão da URSS o PCF passou a
lutar com todo empenho contra a ocupação da França (BEEVOR, Antony. Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
Record, 2017). Ganharam, todavia, o epíteto de “partido dos fuzilados” e
encheram-se de prestígio.
A influência cultural francesa declinou,
depois da derrota na II GM e do protagonismo dos EUA. Reagiram os franceses com
programas de cooperação cultural. Criaram cursos de pós-graduação para o
terceiro mundo, oferecendo grandes facilidades aos estudantes vindos de países
subdesenvolvidos (FURTADO, Celso. A
fantasia organizada. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1985).
Bolsistas voltavam
do curso para subdesenvolvidos convertidos ao culto da deusa Bem-Aventurança. Eram
muito prestigiados. Vinham da Cidade Luz, com as bênçãos do primeiro mundo. O
complexo de vira-lata dos brasileiros (Nelson Rodrigues, 1912 – 1980) os promovia
a semideuses. Mestres e doutores em sentido estrito eram animais exóticos, raros
ou inexistentes, conforme a área de estudos. Os intelectuais afrancesados
ocuparam posições nas universidades e na indústria cultural, muito contribuindo
para absoluta hegemonia ideológica do socialismo e ideologias assemelhadas.
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