quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ARTIGO - O Monopartidarismo Discreto II (RMR)


O MONOPARTIDARISMO
DISCRETO II
Rui Martinho Rodrigues*


A hegemonia ideológica do socialismo (em sentido amplo) decorre de um complexo de fatores. O sonho do mundo sem problemas levava os nossos índios, antes da chegada do invasor europeu, a peregrinar em busca de uma “terra sem males”. Os gregos tinham uma deusa chamada Bem-Aventurança pelos seguidores, mas os críticos denominavam Mentirosa. Ela prometia estrada e cama macias, além de colheita sem precisar semear. Sua maior crítica era a deusa Virtude, para quem era preciso semear para colher. 

Utopias evidenciam a força do pensamento mágico. O mal-estar na civilização, descortinado por Freud (1856 – 1939), destaca o desconforto com as limitações da convivência social. Superar limites concebendo o inédito impulsiona o progresso, quando exercitado com realismo e humildade para admitir erros e abandoná-los.

Intelectuais trabalham apenas com ideias. Pisam nos astros distraídos, podemos dizer, parafraseando Orestes Barbosa (1893 – 1966). Fertilizam com a fantasia o realismo dos técnicos, provocando a busca de solução para realizar os devaneios da humanidade. Técnicos realizam algumas fantasias e descartam outras. 

O iluminismo armou-se do cientificismo. Confundiu reflexão intelectual no campo dos fenômenos culturais com ciência da natureza. Os agentes da história, porém, não se submetem ao determinismo de leis em sentido científico, como ocorre, por exemplo, com a Física. O positivismo (assim como alguns marxismos), rebento tardio do iluminismo, concebeu uma “Física Social” que depois chamou “Sociologia”. Leis científicas reúnem condições definidas, conjunto de fatores e resultado determinístico. Os fenômenos históricos e sociais não são determinísticos; não ensejam certeza de resultado.

O iluminismo é predominantemente francês. Levou a uma revolução que passou seiscentas mil pessoas na guilhotina (MERQUIOR, José Guilherme in FURET, François; OZOUF, Mona. Dicionário crítico da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989), tudo isso sem uma ciência exata. Acabou coroando um imperador, sendo originariamente republicana.

O prestígio da Cidade Luz e a confusão entre ideologia e ciência revestiram os velhos sonhos e mitos com uma aura de superioridade moral e intelectual. Na França do século XX, nos anos trinta, a Frente Popular (Partido Comunista Francês, Partido Socialista Francês e Partido Radical) opuseram-se ao rearmamento, em nome da paz, mas nunca foram responsabilizados pela derrota diante da Alemanha. Só depois da invasão da URSS o PCF passou a lutar com todo empenho contra a ocupação da França (BEEVOR, Antony. Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Record, 2017). Ganharam, todavia, o epíteto de “partido dos fuzilados” e encheram-se de prestígio.

A influência cultural francesa declinou, depois da derrota na II GM e do protagonismo dos EUA. Reagiram os franceses com programas de cooperação cultural. Criaram cursos de pós-graduação para o terceiro mundo, oferecendo grandes facilidades aos estudantes vindos de países subdesenvolvidos (FURTADO, Celso. A fantasia organizada. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1985). 

Bolsistas voltavam do curso para subdesenvolvidos convertidos ao culto da deusa Bem-Aventurança. Eram muito prestigiados. Vinham da Cidade Luz, com as bênçãos do primeiro mundo. O complexo de vira-lata dos brasileiros (Nelson Rodrigues, 1912 – 1980) os promovia a semideuses. Mestres e doutores em sentido estrito eram animais exóticos, raros ou inexistentes, conforme a área de estudos. Os intelectuais afrancesados ocuparam posições nas universidades e na indústria cultural, muito contribuindo para absoluta hegemonia ideológica do socialismo e ideologias assemelhadas.


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