CIDADÃOS TUTELADOS
Rui Martinho Rodrigues*
A complexidade da vida social desafia a
capacidade cognitiva dos cidadãos. O gigantismo de empresas desequilibrou
relações. A mudança cultural potencializou conflitos. A fragilização da
família, desprestígio dos pais, clérigos e das pessoas mais velhas deixou os grupos
primários sem uma instância apta a pacificar litígios.
O incremento de riscos tais como acidentes de
trânsito, agressão ao ambiente e o aumento da demanda por cuidados reforçaram o
argumento da necessidade de proteção que é controle, facilitado pelo
desenvolvimento tecnológico.
As constituições modernas são analíticas
(detalhistas), dirigentes, programáticas. Estabelecem um plano para como a
sociedade deverá ser. Estabelecem obrigações de fazer, são onerosas. Fazem escolhas
pelo legislador do futuro. São rígidas, mas não conseguem impedir emendas que
desfazem o programa instituído, porque normas não pagam contas. São frustradas
pela reserva do possível. As constituições portuguesa e brasileira são
exemplos disso.
As constituições clássicas, como a dos EUA e a francesa de
1791, chamadas garantistas, estatutárias ou orgânicas, estabelecem liberdades,
definem obrigações de não fazer e limitam o poder dos governantes. São
sintéticas. Regulamentam pouco. Não restringem escolhas políticas futuras.
Admitem que toda maioria é ocasional; o futuro não se deixa manietar; não criam
despesas, pois se limitam às obrigações de não fazer.
O interesse público é o fundamento de validade
das constituições analíticas, prenhes de matéria constitucional imprópria (típicas
do Direito Civil, por exemplo). A proteção do hipossuficiente estaria incluída
no referido interesse. Hipossuficiente era quem não podia pagar custas
processuais. Passou a incluir até quem não entende a linguagem de um contrato
ou se deixa levar por cláusulas leoninas. A liberdade negocial passou a ser
tutelada pelo Estado. Surgiu o “Direito Civil constitucional”, Direito Público no
qual a regra é a proibição. O que não é permitido é proibido. Nascia o homem
“protegido”, porque incapaz.
O ativismo judicial e a Nova Hermenêutica Constitucional
(poder de “flexibilizar a norma para ser justo”) transformaram o governo das
leis no governo dos homens. A volúpia do poder venceu. A norma escrita já não é
garantia. Não há segurança jurídica. O “incapaz”, que precisa ser tutelado, não
é cidadão. Não deve votar. Governo dos homens “justos”, não das leis, é a
tirania dos “reis filósofos”.
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