domingo, 3 de dezembro de 2017

ARTIGO - As Muitas Faces da Liberdade (RMR)


AS MUITAS FACES
DA LIBERDADE
Rui Martinho Rodrigues*


A escolha entre a liberdade e a igualdade seria o divisor de águas do pensamento político, assim reduzido a dois polos. A dicotomia citada supõe um entendimento monolítico acerca das citadas tendências políticas, que supostamente seriam simples.

A liberdade pode ser considerada como uma sintonia com a razão (Sócrates, 469 – 399 a. C.), fórmula usada por uma das vertentes do Direito Natural. A contrário senso é um paradoxo: ser livre seria ser escravo da razão. Supõe, equivocadamente, a existência de uma razão unívoca e plenamente demonstrável.

Pensadores medievais conceberam liberdade como sintonia com a vontade divina. Liberdade seria obediência, renúncia à emancipação oferecida pelo fruto do conhecimento do bem e do mal, de modo intrinsecamente contraditório. Thomas Hobbes (1588 – 1679) entendeu liberdade como ausência de obstáculos ao desejo.

Livre seria ser escravo do desejo, na forma de mais um discurso contraditório. Querer ser o que não é; como não poder fazer tudo o que deseja não significa opressão. Tal sentimento, nestas circunstâncias, é próprio de quem é escravo do desejo. Immanuel Kant (1724 – 1804) compreendeu liberdade como a escolha livre e consciente, com o ônus das consequências.

Grupos de comportamento não sofrem restrição de liberdade se alguém desaprova as suas condutas, desde que não os impeça de agir como queiram. Desaprovar condutas é parte da liberdade de consciência e de expressão, bem como exercício legítimo de crítica.

Liberdade de agir difere da liberdade de ser. O agir é livre até o limite do direito de outrem. Avenças só exigem sujeitos capazes, objeto lícito e forma não defesa em lei. Isto é, pessoas podem livremente agir individualmente ou em parceria, quando não incorram material ou formalmente em práticas proibidas, nem se omitam de condutas obrigatórias.

O que não é obrigado nem proibido é lícito para o Direito no Estado democrático. É liberdade de agir. Sujeito capaz deve ser livre quando não lesione interesse de terceiros. A liberdade de ser converter-se-á em ilusão ou engodo quando encontre limites irremovíveis na natureza.

Um baixinho não tem a liberdade de escolher a elevada estatura, embora possa usar sapato de salto alto. Temos, no caso, aparência de elevada estatura, situada no campo fenomênico (observável), caracterizando a liberdade de agir como se fosse alto. A dimensão ontológica, porém, continuará sendo de pequena estatura, evidenciando a inexistência da liberdade ser no mundo natural.

É ilusão pensar que um homem, no exercício da liberdade de agir, por se comportar como mulher passou a ser mulher. O sexo psicossocial e o somático podem sofrer alteração, mas o sexo genético não. A liberdade fenomênica se inscreve no campo do agir. O ser se inscreve no campo da ontologia, da metafísica. O ser natural não enseja liberdade.

A expansão do interesse público limita o campo da licitude. Comer fritura, ter vida sedentária, ter opiniões politicamente incorretas”, não usar preservativos são condutas que ferem o interesse público? Então devem ser regulamentadas impositivamente. Expandir conceitualmente o interesse público é restringir a liberdade de agir. No Direito público, o que não for expressamente permitido é proibido. A regra é a proibição. No Direito Privado, o que não for expressamente proibido é permitido. A regra é a liberdade.

Ser livre não é ser aceito, receber aplausos ou reconhecimento. É fazer escolhas com o ônus das consequências. Isso leva ao problema da liberdade como direito inato ou como conquista. Quem acha que a liberdade é inata precisa definir de qual liberdade está falando: de agir ou de ser? Sintonia com a razão? Ausência de obstáculo ao desejo? Escolhas com o ônus das consequências? Liberdade ilimitada ou condicionada a certos parâmetros? Não temos uma simples prioridade entre liberdade e igualdade, mas escolhas complexas entre diferentes concepções de liberdade e de igualdade que podem engendrar contradições.

Liberdade como conquista afasta a igualdade de resultados na linha de chegada. A luta pela vida produz resultados distintos. As liberdades relacionam-se com doutrinas jurídicas. Liberdade inata ou como sintonia com a razão se liga ao Direito Natural, é cosmocêntrica, afasta a construção histórica da liberdade e da igualdade, que são antropocêntricas. 

A liberdade de avença tem natureza contratual e é regida por direitos vinculados a obrigações. É sinalagmática: cada direito tem uma obrigação correspondente.

A licitude do agir individual é uma franquia dada como direito de conquistar desfrutes. Não gera obrigação para terceiros. É direito potestativo. Todos têm direito a um palácio, ninguém pode opor obstáculo a essa aspiração. Mas ninguém é obrigado a patrociná-la, nem o sujeito será oprimido se não puder realizar seu sonho. Este direito não torna o seu titular credor de ninguém. É mera liberdade de ação.



COMENTÁRIO:

Belíssimo texto!


Geraldo Jesuino.


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