MÔNICA SILVEIRA À JANELA*
Por Vianney Mesquita
“Em estética não há matéria pura nem impura. Por
acaso, não envilece ao sublime uma forma vulgar, e vice-versa?”
Hegel
Mônica Silveira, imortal da Academia
Cearense de Literatura e jornalismo, o Ceará conhece e admira. Não bastassem
seu caráter, personalidade e competência profissional inquestionáveis, ela faz
poesia e não apenas versos. Poeta, dizia o autor de Juca Mulato, Menotti
del Picchia, é aquele que não faz apenas versos.
“Pois, tu és como
Deus, Diva Poesia! Sim, tu és como o sol, por toda parte, cultos te rendem de
uma zona a outra; cada mortal te oferece um culto igual a força de sua alma”.
No dizer do Visconde
de Araguaya — nosso primeiro romântico — e na minha dicção também, são divas a
poesia e esta Janela e a Mônica, poetisa à mancheia que faz poesia e não
somente versos. “Trabalha e teima e lima e sofre e sua”, qual decassílabo
português, fazendo, constantemente, insistentemente, indefinidamente,
maravilhosamente verso e poesia. Este gênero literário, entre nós, só vive
porque há quem o entenda e quem o faça, como a nossa, Selma Lagerlof.
Já divisara o
fenomenal Júlio Diniz que nem sempre os entendidos da poesia a podem fazer, nem
os que a fazem, fazem-na entendendo. Não é, evidentemente, o caso de Mônica, a
Mônica deste inusitado momento do seu livro
Janela — o poema “Cotidiano”.
“Acorda, corre, corre,
toma o coletivo...
corre, corre, toma o
coletivo, morre, morre.”
Os torneios da nossa
Autora são simples mas singulares, meros, entretanto inéditos em inspiração e
simplicidade. Não se parece com ninguém sua poesia infantojuvenil carregada de
coisas dos grandes, deleitando os pequenos e, principalmente, os grandes.
Mônica Silveira, querida de todos nós aqui, felizmente está à margem do anátema
que fez, aos escrevinhadores de versos, o escritor Monteiro Lobato:
— Poeta... que surrada
andas tu, pobre palavra, e que longe andas do sentido íntimo, pelo abuso de te
vestirem quantos por aí medem versos nos dedos para uma periódica postura nas
revistas!
A poesia da Autora
desta Janela, aberta à beleza da urbe e do orbe, não quer e não precisa
de postura nas revistas. Por isso mesmo não necessita, também, de medir versos
nos dedos. Ela é, sim, como queria Lobato, a dor.
“Dor estilizada, dor
de amor, dor de saudades, dor de esperanças, dor de ilusões murchas, dor dos
anseios vagos, dor da impotência, dor do inexprimível. [...] Poeta não é o
malabarismo engenhoso que acepilha sonetos, embora belos. Poeta é a criatura
eleita, que ressoa as mais sutis vibrações ambientes, como se toda ela, corpo e
alma, fora uma harpa eólia de cordas vivas”.
Poetisa é assim, com sentimento,
leveza, graça; é desta maneira, como nossa autora: doce, leda, trova não azeda,
anelo utópico mas sentido, ledice doída, “toque certeiro, leve e preciso” —
conforme já lhe disse o “poetíssimo” Chico Miranda, há pouco desaparecido.
É dizer o coração sem catar
palavras, sem gírias e respeitoso ao vernáculo. Poeta é assim, pureza. “A
poesia me quer puro”, sentenciou Antenor Nascimento Filho. Não há receita para
uma boa poetisa conforme ela é. O Poeta nasce feito, mas lapida o seu veio.
Sabe-se, porém, que é preciso inteligência, é necessária tranquilidade; a
poesia requer sentimento.
A poesia — falou o idealista romântico
Wordsworth, “é o fluxo espontâneo de poderosos sentimentos, e tem a sua origem
na emoção relembrada na tranquilidade”. Isto porque nossa autora conduz
poderosos sentimentos, de alma e corpo e plumas e verdade e vida e emoção
relembrada na tranquilidade. É um síndeto interminável de nomes e adjetivos,
vazado no sentimento de quem, como na Bíblia, vive em abundância.
O Brasil tem este Ceará, de grandes
poetas da magnitude estelar da Mônica, que abre esta Janela, de
excelentes poemas em verso branco e estâncias rimadas, da inconfundível
progênie dos bons e de insuperável beleza, como este “Sono”, na página 10.
“Quero dormir... de
quem foge da Guerra”.
Parabéns às letras de metro no Ceará
pelo excepcional rebento: Janela, poemas da jornalista e acadêmica
Mônica Silveira.
Deleitemo-nos com ele.
*(Modificado do original em Impressões
- Estudos de Literatura e Comunicação, Fortaleza: Agora, 1989, p.39).
Vianney Mesquita é professor, filólogo, escritor, crítico literário, e Titular da Cadeira de Nº 22 da ACLJ
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