sábado, 14 de setembro de 2013

CRÔNICA

MACUNAÍMA
Por Rui Martinho Rodrigues*
 

A última sentada dos ministros do STF foi chocante. Teses e mais teses da defesa foram sustentadas por juízes como se advogados fossem, empenhados na defesa dos mensaleiros. Até advogados deveriam ser mais comedidos, como se pode ver do exame das teses cavilosas. 

Houve discussão sobre o "duplo grau de jurisdição", coisa nunca antes discutida em tantos outros processos em sede de foro por prerrogativa da função, como foi o caso do processo contra o juiz Percy, em Fortaleza, por exemplo, que não teve direito a duplo grau e ninguém questionou.

Ignorou-se o fato de que não há inconstitucionalidade na Constituição. E a nossa Carta Magna dispõe que o foro especial é em instância única. Ignorou-se o fato de que o tal duplo grau de jurisdição é um princípio implícito, não estando escrito na Constituição, ao passo que a instância única é norma explícita.

Discutiu-se a teoria do domínio do fato, como se fosse novidade condenar mandante que não pratica atos de execução. Antes já haviam discutido  se o processo deveria ser desmembrado, para que os réus sem a prerrogativa de foro especial fossem julgados inicialmente na primeira instância. Até parece que Suas Excelências não sabem que havendo continência ou conexão entre os crimes não se desmembra processo.


Sustentou-se, com grande desenvoltura, a tese da insuficiência de provas – como se não fossem provas todos os filmes, todos os sacos de dinheiro, registros de remessa de valores para o exterior, depoimentos, e contratos de empréstimos milionários concedidos a deputados sem patrimônio e sem cadastro bancário. Pouca atenção foi dada aos princípios constitucionais da celeridade processual e da duração razoável do processo.

Ministro nomeado no curso do processo – Luís Roberto Barroso – chegou a fazer pronunciamento extra petita, defendendo partidos políticos, lembrando que não foram eles que praticaram os crimes em julgamento, afirmando que tais partidos (que continuam defendendo seus integrantes processados) não têm nenhuma relação com as ilicitudes. Ninguém estranhou que o Excelentíssimo Ministro discursasse sobre matéria extraprocessual, já que não há denúncia contra partido algum, pois não há grêmio partidário  em julgamento.

A ministra Carmem Lúcia, por seu turno, ao proferir voto de condenação contra alguns mensaleiros, também fez um discurso inusitado (nas circunstâncias), louvando o passado de alguns condenados. O elogio dirigido a alguns réus foi devido ao fato de terem eles pegado em armas para estabelecer um modelo político que hoje eles mesmos classificam, pejorativamente, como "stalinismo".

Também neste caso ninguém estranhou que a juíza elogiasse os réus que condenava – nem entre os pares da ministra, nem na imprensa, nem no Congresso Nacional, nem nas associações de juízes, nem no meio jurídico em geral.

Tudo isso desafia a nossa capacidade de adjetivar os fatos. Depois disso tudo, não me surpreenderá se o voto de desempate, a ser proferido pelo Ministro Celso de Mello quarta-feira próxima, eternizar o julgamento. Isso não me causará torpor. Estou aprendendo a viver na terra do Macunaíma. Já perdi a sensibilidade. 

Rui Martinho Rodrigues
 Advogado e Professor
   Presidente da ACLJ



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