MACUNAÍMA
Por Rui Martinho Rodrigues*
A
última sentada dos ministros do STF foi chocante. Teses e mais teses da defesa
foram sustentadas por juízes como se advogados fossem, empenhados na defesa dos
mensaleiros. Até advogados deveriam ser mais comedidos, como se pode ver do
exame das teses cavilosas.
Houve
discussão sobre o "duplo grau de jurisdição", coisa nunca antes
discutida em tantos outros processos em sede de foro por prerrogativa da
função, como foi o caso do processo contra o juiz Percy, em Fortaleza, por
exemplo, que não teve direito a duplo grau e ninguém questionou.
Ignorou-se
o fato de que não há inconstitucionalidade na Constituição. E a nossa Carta
Magna dispõe que o foro especial é em instância única. Ignorou-se o fato de que
o tal duplo grau de jurisdição é um princípio implícito, não estando escrito na
Constituição, ao passo que a instância única é norma explícita.
Discutiu-se
a teoria do domínio do fato, como se fosse novidade condenar mandante que não pratica
atos de execução. Antes já haviam discutido se o processo deveria ser
desmembrado, para que os réus sem a prerrogativa de foro especial fossem
julgados inicialmente na primeira instância. Até parece que Suas Excelências
não sabem que havendo continência ou conexão entre os crimes não se desmembra
processo.
Sustentou-se,
com grande desenvoltura, a tese da insuficiência de provas – como se não fossem
provas todos os filmes, todos os sacos de dinheiro, registros de remessa de
valores para o exterior, depoimentos, e contratos de empréstimos milionários
concedidos a deputados sem patrimônio e sem cadastro bancário. Pouca atenção
foi dada aos princípios constitucionais da celeridade processual e da duração
razoável do processo.
Ministro
nomeado no curso do processo – Luís Roberto Barroso – chegou a fazer pronunciamento extra petita, defendendo partidos
políticos, lembrando que não foram eles que praticaram os crimes em julgamento,
afirmando que tais partidos (que continuam defendendo seus integrantes
processados) não têm nenhuma relação com as ilicitudes. Ninguém estranhou que o Excelentíssimo
Ministro discursasse sobre matéria extraprocessual, já que não há denúncia
contra partido algum, pois não há grêmio partidário em julgamento.
A
ministra Carmem Lúcia, por seu turno, ao proferir voto de condenação contra
alguns mensaleiros, também fez um discurso inusitado (nas circunstâncias),
louvando o passado de alguns condenados. O elogio dirigido a alguns réus foi
devido ao fato de terem eles pegado em armas para estabelecer um modelo
político que hoje eles mesmos classificam, pejorativamente, como
"stalinismo".
Também
neste caso ninguém estranhou que a juíza elogiasse os réus que condenava – nem
entre os pares da ministra, nem na imprensa, nem no Congresso Nacional, nem nas
associações de juízes, nem no meio jurídico em geral.
Tudo
isso desafia a nossa capacidade de adjetivar os fatos. Depois disso tudo, não
me surpreenderá se o voto de desempate, a ser proferido pelo Ministro Celso de
Mello quarta-feira próxima, eternizar o julgamento. Isso não me causará torpor.
Estou aprendendo a viver na terra do Macunaíma. Já perdi a sensibilidade.
Rui Martinho Rodrigues
Advogado e Professor
Presidente da ACLJ
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