HABILITAÇÕES PERIGOSAS
Paulo Maria de Aragão (*)
O acusado por delito de trânsito,
atabalhoadamente, respondia às indagações da juíza da comarca de Caucaia, vociferando: “Cuma é? Cuma é mesmo?”.
Reinquirido, logo se percebia a sua surdez; enfim, atemorizado, concluía haver
sido ofuscado pela luz alta de um veículo, que se deslocava em sentido oposto e
recobrado a plena visão após dezenas de metros, dando curso normal à viagem até
o seu final, insciente da morte do ciclista, atingido pela lateral de seu
caminhão.
Em sede de inquérito
policial, concluiu-se que, de fato, o evento deveu-se ao ofuscamento. Porém, a sentença não deixou passar batida a responsabilidade da
Administração Pública, por conceder carteira de habilitação a portador de deficiência auditiva. Conquanto o grau de
surdez não tenha sido a causa do evento, contribuiu para a não prestação dos
primeiros socorros à vítima.
Tenha-se que a vedação não é
absoluta, pois surdos e mudos, como todos os cidadãos, têm o direito de dirigir
assegurado em lei, desde que sejam maiores de idade e alfabetizados. A inclusão social, além de delir a pecha da
deficiência, constitui-se processo educativo, tornando pessoa inapta produtiva e cônscia de responsabilidades.
Leve-se em
consideração que o trânsito integra nossas vidas, entretanto, a importância que
lhe é dada é muito pouca, a despeito de direito de todos – priorizado na composição do Sistema Nacional
de Trânsito. Isso, tal qual firmado no art. 320 do CTB, ao preceituar que a
receita arrecadada com a cobrança das multas seja aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia
de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.
Oportuno seria que os valores
arrecadados fossem ainda divulgados, inclusive quanto à destinação, aliás,
sempre questionada. Um estímulo à educação, antídoto contra todos os males
sociais, sobremodo no trânsito, indispensável à tríade via, veículo e condutor.
Paulo Freire, em tom lapidar, a define:
“A educação não é a solução, mas não há solução sem a educação".
Como sabido, a multa nem sempre é
empregada com bom senso – pouco usual
entre agentes, faltos de urbanidade e estabilidade emocional. Desse modo, as
mais das vezes, fácil encontrá-los de tocaia, em ruas quase sem movimentação, à
espreita de infratores. E o que se diz do desatender ao usuário sob a estúpida
alegativa de que está fora do turno de trabalho?
Assim, a reboque vai o trânsito,
marcado por desacertos fiscalizadores. Habilitar o portador de deficiência
física é justo e saudável; melhor do que fazê-lo aos que sofrem de transtorno
bipolar e de outros desvios comportamentais, que só contribuem para aumentar os
índices alarmantes de mortos e estropiados, que levam a dor que golpeia lares
inteiros. São estes sim, motoristas conscientes que fazem do carro uma arma e
da impunidade santuário.
Paulo Maria de Aragão
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ
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