sexta-feira, 6 de setembro de 2013

CRÔNICA

HABILITAÇÕES PERIGOSAS 

Paulo Maria de Aragão (*)


O acusado por delito de trânsito, atabalhoadamente, respondia às indagações da juíza da comarca de Caucaia, vociferando: “Cuma é? Cuma é mesmo?”. Reinquirido, logo se percebia a sua surdez; enfim, atemorizado, concluía haver sido ofuscado pela luz alta de um veículo, que se deslocava em sentido oposto e recobrado a plena visão após dezenas de metros, dando curso normal à viagem até o seu final, insciente da morte do ciclista, atingido pela lateral de seu caminhão.

Em sede de inquérito policial, concluiu-se que, de fato, o evento deveu-se ao ofuscamento. Porém, a sentença não deixou passar batida a responsabilidade da Administração Pública, por conceder carteira de habilitação a portador de deficiência auditiva. Conquanto o grau de surdez não tenha sido a causa do evento, contribuiu para a não prestação dos primeiros socorros à vítima.

Tenha-se que a vedação não é absoluta, pois surdos e mudos, como todos os cidadãos, têm o direito de dirigir assegurado em lei, desde que sejam maiores de idade e alfabetizados. A inclusão social, além de delir a pecha da deficiência, constitui-se processo educativo, tornando pessoa inapta produtiva e cônscia de responsabilidades.

Leve-se em consideração que o trânsito integra nossas vidas, entretanto, a importância que lhe é dada é muito pouca, a despeito de direito de todos – priorizado na composição do Sistema Nacional de Trânsito. Isso, tal qual firmado no art. 320 do CTB, ao preceituar que a receita arrecadada com a cobrança das multas seja aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

Oportuno seria que os valores arrecadados fossem ainda divulgados, inclusive quanto à destinação, aliás, sempre questionada. Um estímulo à educação, antídoto contra todos os males sociais, sobremodo no trânsito, indispensável à tríade via, veículo e condutor. Paulo Freire, em tom lapidar, a define: “A educação não é a solução, mas não há solução sem a educação".

Como sabido, a multa nem sempre é empregada com bom senso – pouco usual entre agentes, faltos de urbanidade e estabilidade emocional. Desse modo, as mais das vezes, fácil encontrá-los de tocaia, em ruas quase sem movimentação, à espreita de infratores. E o que se diz do desatender ao usuário sob a estúpida alegativa de que está fora do turno de trabalho?

Assim, a reboque vai o trânsito, marcado por desacertos fiscalizadores. Habilitar o portador de deficiência física é justo e saudável; melhor do que fazê-lo aos que sofrem de transtorno bipolar e de outros desvios comportamentais, que só contribuem para aumentar os índices alarmantes de mortos e estropiados, que levam a dor que golpeia lares inteiros. São estes sim, motoristas conscientes que fazem do carro uma arma e da impunidade santuário. 
 
           Paulo Maria de Aragão
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ









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