É GENTE,
MULHER, E ME CONHECE!
Por Aluísio
Gurgel do Amaral Jr*
Era uma manhã ensolarada de dezembro quando inflei o
parapente, corri calmamente pela rampa da Pacatuba e decolei.
Objetivava voar
até Tejuçuoca, refazer o percurso de 110km de voo sem motor, que já havia feito
de outras vezes. Usei a encosta da serra para subir, aproveitando ao máximo a
corrente de vento ascendente. Atingi a base da nuvem próximo dos 1.300m e segui
com ela, passando alto sobre a Tabatinga, depois sobre a Ladeira Grande, mais
adiante sobre Penedo...
A cada giro que efetuava tranquilo com o parapente na
região térmica da nuvem para conservar altitude, observava a serra de Pacatuba
ficar mais distante. Logo, logo também ficou para trás o complexo de elevações
que constitui a serra de Maranguape e prossegui meu voo silencioso e sossegado
na direção de Itapebussú. A ideia era cruzar a rodovia BR-020, passar no través
de Paramoti, seguir na proa de General Sampaio e esticar até Tejuçuoca, pousando
ali pelas 16:00h.
Realizar esse voo é sempre sinal de boa forma técnica e
causa muita satisfação a qualquer aerodesportista. Pela média, são cinco ou
seis horas ininterruptas e o ruído é apenas a aragem nos ouvidos. Normalmente,
o piloto se alheia do mundo e foca todo o conteúdo de racionalidade na ação de
compreender a natureza e simplesmente voar. A sensação terapêutica é
indescritível. Os neurotransmissores em jogo: adrenalina e endorfina.
O voo ia muito bem até eu cometer o tolo equívoco de não
avaliar a condição meteorológica há uns cinco quilômetros à frente (exatamente
para onde eu ia). Na realidade, não apenas não avaliei: segui voando como se
tivesse avaliado. O resultado é que entrei em uma zona na qual não havia mais
precipitação térmica – em outras palavras, a inexistência de térmicas significa
falta de sustentação; ao invés do parapente voar feito uma asa, ele vai ao chão
“paraquedando”.
Perdi altitude rapidamente, sem encontrar uma térmica
sequer e dei o voo por acabado a 200m do solo. Meu modo de segurança funcionou ligeiro e me mandou encontrar um local de pouso seguro. Olhei em volta e vi uma
casa com um terreiro logo à frente e uma estrada de acesso à rodovia BR-020 –
não teria qualquer dificuldade de alugar a garupa de uma motocicleta para me
levar até a rodovia, onde tomaria condução para Fortaleza, sem problemas.
A 50m do solo vi uma senhora de um lado da casa e um
senhor do outro, ambos idosos. Ela, sentada na varanda, realizava um trabalho
manual e ele, do outro lado, nú, tomava banho com uma lata. Ela olhou para
cima, me viu e gritou: – Chega, Raimundo, o que é aquilo? – Tratei de fazer o
social e gritei daqui de cima: – Seu Raimundo – ele ficou atarantado e eu
completei: – Aqui em cima! – ele olhou e não dei descanso: – Posso pousar aí no
seu terreiro? – e ele, sem pestanejar, gritou para a mulher: – É gente, mulher,
e me conhece – em seguida me liberou: – Pode pousar à vontade!
Aluísio Gurgel do Amaral Jr.
Titular da Cadeira
de nº 14 da ACLJ
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