quarta-feira, 11 de setembro de 2013

CRÔNICA

É GENTE, MULHER, E ME CONHECE!
 Por Aluísio Gurgel do Amaral Jr*

Era uma manhã ensolarada de dezembro quando inflei o parapente, corri calmamente pela rampa da Pacatuba e decolei. 
Objetivava voar até Tejuçuoca, refazer o percurso de 110km de voo sem motor, que já havia feito de outras vezes. Usei a encosta da serra para subir, aproveitando ao máximo a corrente de vento ascendente. Atingi a base da nuvem próximo dos 1.300m e segui com ela, passando alto sobre a Tabatinga, depois sobre a Ladeira Grande, mais adiante sobre Penedo...

A cada giro que efetuava tranquilo com o parapente na região térmica da nuvem para conservar altitude, observava a serra de Pacatuba ficar mais distante. Logo, logo também ficou para trás o complexo de elevações que constitui a serra de Maranguape e prossegui meu voo silencioso e sossegado na direção de Itapebussú. A ideia era cruzar a rodovia BR-020, passar no través de Paramoti, seguir na proa de General Sampaio e esticar até Tejuçuoca, pousando ali pelas 16:00h.

Realizar esse voo é sempre sinal de boa forma técnica e causa muita satisfação a qualquer aerodesportista. Pela média, são cinco ou seis horas ininterruptas e o ruído é apenas a aragem nos ouvidos. Normalmente, o piloto se alheia do mundo e foca todo o conteúdo de racionalidade na ação de compreender a natureza e simplesmente voar. A sensação terapêutica é indescritível. Os neurotransmissores em jogo: adrenalina e endorfina.

O voo ia muito bem até eu cometer o tolo equívoco de não avaliar a condição meteorológica há uns cinco quilômetros à frente (exatamente para onde eu ia). Na realidade, não apenas não avaliei: segui voando como se tivesse avaliado. O resultado é que entrei em uma zona na qual não havia mais precipitação térmica – em outras palavras, a inexistência de térmicas significa falta de sustentação; ao invés do parapente voar feito uma asa, ele vai ao chão “paraquedando”.

Perdi altitude rapidamente, sem encontrar uma térmica sequer e dei o voo por acabado a 200m do solo. Meu modo de segurança funcionou ligeiro e me mandou encontrar um local de pouso seguro. Olhei em volta e vi uma casa com um terreiro logo à frente e uma estrada de acesso à rodovia BR-020 – não teria qualquer dificuldade de alugar a garupa de uma motocicleta para me levar até a rodovia, onde tomaria condução para Fortaleza, sem problemas.

A 50m do solo vi uma senhora de um lado da casa e um senhor do outro, ambos idosos. Ela, sentada na varanda, realizava um trabalho manual e ele, do outro lado, nú, tomava banho com uma lata. Ela olhou para cima, me viu e gritou: – Chega, Raimundo, o que é aquilo? – Tratei de fazer o social e gritei daqui de cima: – Seu Raimundo – ele ficou atarantado e eu completei: – Aqui em cima! – ele olhou e não dei descanso: – Posso pousar aí no seu terreiro? – e ele, sem pestanejar, gritou para a mulher: – É gente, mulher, e me conhece – em seguida me liberou: – Pode pousar à vontade!
Aluísio Gurgel do Amaral Jr.
      Titular da Cadeira 
      de nº 14 da ACLJ


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