sexta-feira, 29 de julho de 2016

NOVELA - Cães e Helicópteros (RV)

CÃES E HELICÓPTEROS

(NOVELA PSICOLOGISTA DE BASE REAL)
Reginaldo Vasconcelos

Capítulo II


Do seu carro para o outro foi como deslizar sobre trilhos, sem opção qualquer, sem gesto de vontade ou de protesto. E quando partiu o carro negro – que negro não fosse assim ele parecera – Lisberte sentiu romper-se estranhamente uma teia de vínculos da sua vida, coisas que ficavam de repente para trás, simbolicamente tão mal estacionadas quanto ficara o seu automóvel. Era como se nova fase de sua existência se estivesse iniciando, contida nela, talvez, a aventura de morrer, ali prenunciada.

Só então Lisberte viu as armas, como prolongamentos dos braços agressores, de quem não via os rostos, escondidos sob as máscaras. Que gentis aquelas máscaras! Seria pavoroso – ocorreu-lhe num átimo – confrontar aqueles monstros. Sim, para ela aquela incógnita parecia confortável, sem racionalizar que a sua sobrevida teria, doravante, estreita dependência daqueles capuzes. Descobrir quem escondiam lhe seria fatal.

Logo em seguida a noite desceu sobre os seus pensamentos pânicos, já que a vendaram inteiramente, para que não percebesse a trajetória do veículo. E a escuridão pareceu acalma-la, pareceu conter o medo à sua verdadeira continência, ao inespecífico, ao inescrutável. Ela conhecia o cheiro dos cavalos, o odor característico dos cães, até já notara o dos golfinhos, quando visitara um aquaparque. Mas jamais observara o cheio da índole. Voando às cegas no pensamento, percebeu perfeitamente a emanação do suor humano; era o cheiro de homens nervosos.
 
De repetente foi a audição que se lhe aguçou, quando notou que não havia mais ruídos urbanos, apenas o vento pelas janelas do veículos. A velocidade era franca, sem desvios e sem solavancos: estavam na estrada. Comprida estrada. Talvez lhe tenha ocorrido um curto desmaio, ou vários passamentos de sentidos, interrompidos pela voz forçada dos homens, que se diziam coisas rápidas e cifradas.  Nas grandes angústias os relógios param e o tempo não flui, de modo que viver não é mais descer um rio, mas escalar um paredão – cada milímetro são quilômetros. 

São imprecisos a distância e o tempo consumidos, até que o carro parasse e ela fosse conduzida ao seu cativeiro. Pronunciou-se-lhe aí o tato, quando ela sentiu de um lado as mãos que a detinham com firmeza pelo braço, e do outro as que se quase desculpavam, segurando-a com uma secreta meiguice.

Durante o percurso, o primeiro impulso de fazer indagações, de perguntar os “quês” e “porquês” de tudo aquilo, a encontrara sem voz. Então considerou que, afinal, sabia muito bem o que se passava. Duas ou três vezes essa possibilidade já lhe perpassara os pesadelos: estava sendo sequestrada.

Quando achou que a voz já se lhe desprendera da garganta, era o coração que disparava como um louco, ante a ideia de falar. Então Lisberte calou. Considerou mesmo que uma palavra qualquer pudesse despertar naqueles homens insensatos alguma violência maior. Mas, talvez encorajada pelo toque cuidadoso de um de seus condutores, ao sentir que abriam a porta do cárcere privado, fez a pergunta essencial: “Vocês sabem o telefone do meu pai?”. 

Como não estivessem autorizados pelo líder, os homens, surpreendidos pela pergunta, nada responderam. Lisberte satisfez-se com o silêncio, que lhe soava com certa reverência e continha uma resposta positiva. Importante mesmo para ela foi lembrar-se do pai, como quem ergue a vista e constata que há uma luz no fim do túnel.

O líder, sargento do Exército reformado, tinha a alcunha de “Tenente”. Participara de ação militar sigilosa contra terroristas na floresta da Amazônia, tornando-se depois meio maníaco por assuntos bélicos em geral. 

Acumpliciados com ele naquela empreitada criminosa a sua própria amante, a Sheila; Leôncio, o cérebro da operação, ex-bancário, empregado demitido de uma das empresas do pai de Lisberte; Onofre, sujeito simplório e corpulento, sem qualquer traço criminógeno no caráter, metido naquilo por influência de Leôncio, seu irmão mais novo, que lhe garantira fortuna sem violência maior: o milionário pagaria o resgate e a moça seria devolvida sã e salva. 

(Continua na próxima sexta-feira)   

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