CABOTINISMO
COMPORTAMENTO ABOMINÁVEL
Vianney Mesquita*
O orgulho que almoça vaidade janta desprezo. (BENJAMIN FRANKLIN, cientista, diplomata, inventor e intelectual
eclético do Estados Unidos. 1706-1790).
O
nome cabotino, adjetivo e substantivo
de ambos os gêneros, significa, em acepção original, mau comediante, ator
histrião, personagem bufo, cômico teatralmente desqualificado. Consoante sugere
Antônio Geraldo da Cunha, no seu Dicionário
Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa (2. ed., Rio de Janeiro,
2001), “parece” aludir ao nome de um ator burlesco de categoria inferior
(Cabotin), o qual teria atuado no tempo de Luís
XIII, em França.
Figurativamente,
entretanto – e esta é a significação preferida e mais conhecida no Brasil –
denota a ideia de [...] indivíduo
presumido, afetado, que procura chamar a atenção, ostentando qualidades reais
ou fictícias (CUNHA, 2001), com registo lexicográfico no século XIX (1807),
sendo controversa a origem dos seus sentidos expressos em glossários, segundo
gizado no Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa (2001), de Mauro Salles Villar e Antônio Houaiss.
Este
escrito é a continuação de viagem feita na boleia de matéria aqui veiculada
recentemente, sob o título de Em qual cabeça
assenta este chapéu? – onde
expressei indignação com os autores autoproclamados mentores da sociedade, os
quais se louvam no expediente da apologia aos protagonistas de suas obras, sem
desvinculá-los dos nomes reais como escritores, com vistas à obtenção do
aplauso, atitude repreensível, mesmo se o louvor restar merecido, e – pior
ainda – caso não sobeje o elogio justo.
A
desqualificada significação desta unidade de ideia – cabotinismo – experimenta
trajeto bastante comum no decurso na sociedade dos mais diversificados lugares
e em tempos totais, conforme, amiudemente, a História relata, submetendo ao
risco de sua instalação todos aqueles que não se vacinaram contra a picada da mosca azul – consoante a reflexão de
Frei Beto, no livro do mesmo nome – expondo-se,
dadivosos, ao seu voraz apetite.
A
soberba, a importância e a indispensabilidade quase patológicas dos afagos ao
ego sugestionado por Sigmund Freud
parecem invadir o controle da volição, determinante da vontade de cada qual,
neste caso, concernente a orientar as pessoas na trilha certa, conduzindo-as ao
comportamento adequado no âmbito moral, na contextura da decência e no contorno
das atitudes saudáveis que devem presidir aos nossos procederes. A isto a
sociedade inteira almeja, porém, se descuida de armar anteparos e, com
frequência, se descortina subordinada a um inimigo oculto, o qual se arrima até
na nossa inteligência, como, por exemplo, na capacidade de escrever bons
textos, a fim de operar seu desiderato e nos exibir aos pares com defeito de
tanta monta, configurado no recurso nefasto do exibicionismo, sinônimo de ostentação,
correspondente a encômio barato e presunção despropositada.
É
determinante, por conseguinte, um cuidado redobrado, a fim de as pessoas não se
subordinarem às investidas constantes do cabotinismo, mormente quando são
alçadas a posições de destaque, por via da Política, Religião, manifestações
artísticas e demais haveres dotais impressos pela Providência Divina, como, exempli
gratia, a Literatura, a Pintura e as outras quatro artes.
Estas
expressões da indústria humana, por efetivo, consuetudinariamente, concedem
visão pública e midiática aos produtores e intérpretes, granjeando para seus palcos de shows e outros ambientes de assistência, em catarse
aristotélica – de cariz estético – uma multidão apaixonada, desorganizada e desprovida de pensamento racional,
condutora do artista aos apogeus da glória, circunstância fácil de ligeiramente
enviesar para o senhorio da cabotinagem, de atuação ligeira junto aos que não
se abasteceram de defesas rápidas contra opositor de exercício tão desembaraçado
e veloz.
O
complexo inteiro da Humanidade está sujeito aos tentáculos dos comportamentos
charlatães, de tal sorte que se deve permanecer em atalaia contínua contra suas
arremetidas. Há que se postar avesso, entretanto, aos pruridos exagerados de simplicidade,
como, por exemplo, o autor deixar de assinar uma produção, resignar-se perante a
omissão de seu nome de uma ficha técnica, calar-se ante a supressão de
referência por parte de alguém em evento cuja efetividade dependeu de sua
participação etc., fatos que somente atestam a bobice e a sujeição infantil, também
doentias, no polo oposto da ideação do teor cabotino.
Guardo,
constantemente, sobrado cuidado com as acometidas desse vilão moral,
deontológico e ético, para não ser vergado moralmente pelos seus impulsos
poderosos (Flexo, sed non frango =
envergo, mas não quebro). Ele circula
à solta em meio aos desavisados, mormente na ambiência dos inocentes e pretensos
credores do reconhecimento e presumidos donos de uma arte maior, definitiva,
quando, em muitos lances, representam apenas jejunos e claudicantes aprendizes,
visitantes de assuntos sobre os quais estão ainda bastante apartados do
domínio.
Estas
pessoas merecem de seus próximos – parentes, amigos e circunstantes com quem
tenham alguma ligação – os corretivos oportunos, as regulagens apropriadas, a fim de que não habitem o patamar dos
deserdados morais artistas, os quais, mesmo sendo bons, ainda acham necessário aparecer,
conforme expressei na matéria indicada no terceiro parágrafo desta escrita,
como os primeiros entre os pares, feitos luminares refalsados do preparo
intelectual e notáveis ilusórios da sabedoria.
Lamentavelmente,
não conhecem, ou jamais divisaram, a ideia do cientista de Österreich,
naturalizado inglês, Carlos Raimundo
Popper (Viena, 28.07.1902 – Kenley, 17.09.1994), para quem todos somos cegos convencidos de que saber e
ignorância são vizinhos.
COMENTÁRIO:
Interessante e complexo o tema que
Vianney Mesquita traz à baila. A pedra-de-toque entre o autorreferente e o
cabotino, entre o consciencioso e o fanfarrão, é a certeza do próprio valor
que uns trazem do berço, e a insegurança sobre os próprios méritos que a vida
impõe a alguns outros.
É natural querer e esperar o
reconhecimento dos circunstantes sobre as nossas reais virtudes, que são inatas
e gratuitas – e mais ainda sobre os nossos esforços, que demandam pertinácia e
persistência.
Porém, levantar estandartes sobre si,
jactar-se, fazer louvaminhas, requerendo aplausos e reverências (merecidos ou
não), é algo que não engrandece ninguém, e não raro apequena o que seria
realmente valoroso se apenas notado e admirado pelo público, e principalmente
pelos doutos.
A não ser com o fim mercantil de
vender coisas de sua arte ou de sua indústria a que a fama favoreça, a
publicidade é deletéria ao indivíduo, que de regra perde alguns valores
íntimos, despertando geralmente no povo uma gelatina reverencial que furta-cor
entre amor e ódio, entre admiração e inveja, entre pertencimento e apropriação, criando-se um personagem diverso e
estranho à essência da pessoa.
Então, se é de fato prazeroso ser
admirado pelos que nos conhecem e que nós conhecemos, se é vantagem real ser
respeitado pelos nossos circunstantes, que amamos e que nos interessam, a
celebridade mítica, sempre tão desejada e perseguida, pode ser um ônus grave ao
contentamento do espírito e aos mais hígidos sentimentos.
Reginaldo Vasconcelos
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