VENDEDOR
AMBULANTE
Totonho Laprovitera*
Ambulante é aquele vendedor
que anda pelas ruas da cidade anunciando a sua mercadoria.
Quando a Governador Sampaio
era a rua chique de Fortaleza, o ambulante Otelino alimentava um certo fascínio
por Maria de Jesus, uma jovem senhora que tornara-se viúva antes do
tempo.
Sendo de boa e tradicional
família fortalezense, De Jesus era bem guardada que só. Portanto, tornava-se
bastante difícil qualquer marmanjo furar o cerco composto pelo seu mal-encarado
pai e corpulentos irmãos. Falar com ela, só de longe e olhe lá!
Daí, cheio de gracejos,
Otelino pegava o seu tabuleiro de bem talhada madeira, assentava no quengo
protegido por uma encardida rodilha e, espalhando simpatia, saía para o
exercício da sua rotineira labuta. Descia a ladeira da Visconde de Saboya, caía
pela Praça dos Leões, virava a direita mais à frente, na Governador Sampaio, e
abria o seu reclame pelas portas das faustosas casas. Quando chegava na da
mirada viuvinha, ele lampejava os olhos e assim propagava: “Ovo e uva boa! É da
melhor qualidade!”
Aí, os guardiões da viúva
surgiam nas janelas e Otelino, com um anêmico sorriso, levantava o pano que
cobria a mercadoria no tabuleiro, continuava: “Vai querer, freguês?!”.
COMENTÁRIO:
As magnificas croniquetas de Totonho Laprovitera
sobre a nossa Fortaleza, a “loura desposada do sol” do poeta Paula Ney, evocam
em todos nós da geração "baby boomers" as
mais gentis recordações, de quando éramos meninos e a cidade adolescente.
Em peça anterior ele referiu à lanchonete
de seu avô e à barbearia em que cortava o cabelo, tão próximas da “merendeira”
Miscelânea e do Salão Torres, que eu mesmo frequentava, pela mão do genitor,
naquela época. Aliás, tive a oportunidade de levar meu neto para o primeiro
corte de cabelos, pelas mãos do Luizinho, hoje falecido, como meu pai fizera
comigo.
Quando eu ia deixar a vida de adolescente
cabeludo para ingressar em emprego público fui ao salão do Luizinho e pedi que
reservasse uma das madeixas, por recomendação da então namorada, que, por
nostalgia, a queria ter consigo.
O Luiz, ante o meu pedido, colocou a
cabeça entre mim e o espelho, pente e tesoura nas mãos, e disparou: “Pode falar com a sua mãe que ela tem um
cacho de cabelos do seu primeiro corte. Ela me pediu um, e guardou
num envelopinho”.
Quanto ao expediente do vendedor de
uvas e ovos, deu-se comigo parecido. A namorada recente, uma bela tapuia de
quem ainda sou cativo, me denunciou um “doceiro” ambulante que vendia picolés,
o qual, ao passar em frente à sua casa, na Av. Rui Barbosa, soltava a voz: “Vai moreninha boa!!!”.
Esperei o vendilhão no dia seguinte,
num assomo de testosterona, para lhe pedir satisfações pela ousadia. Ele, então,
humildemente, abril a tampa do carrinho e me mostrou um picolé, coberto de chocolate, denominado “moreninha”.
Ainda não era advogado, mas tive de admitir que a tese de defesa era perfeita,
e em nome da paz social relevei a sua malícia. E muitas vezes, para esbanjar
confiança, da minha casa, que era próxima, paguei-lhe picolés moreninha e
mandei que fosse entregar na casa dela.
Reginaldo Vasconcelos
Ótima a tirada do ambulante, tipicamente cearense e muito bem aproveitada na crônica.
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