VALVA versus
VÁLVULA
Vianney Mesquita*
Ignoti nulla cupido (Ovídio)
Já demanda muito tempo, eu trabalhava
como amanuense de uma empresa privada aqui de Fortaleza, na elaboração de atas
de sessões das assembleias gerais ou reuniões da Diretoria, redação de cartas
comerciais e outras peças que tais. No caso dos relatórios dessas reuniões, as
acompanhava nos registros legais na Junta Comercial, para o que era necessário
obedecer às exigências da Repartição, entre as quais o preenchimento dos claros
de questionários – nome, endereço, número do telefone (hoje, dentro do
besteirol em curso, “telefone para contato”, como se ele existisse para outra
coisa), ramo de atividade, numerações de CGC e CGF etc.
Havia aprendido com meu chefe, o
economista e intelectual eclético Dr. Francisco Gentil Nogueira, de
saudosíssima memória, que, se o claro do formulário não permitisse resposta, este
era recheado com a expressão “prejudicado”,
conforme os advogados sabem decorado e de salto. Por exemplo, se o estado civil
do cidadão é de solteiro, não é
possível responder, na sequência, qual o regime de bens ao casamento – se comunhão
universal, comunhão parcial, separação total ou separação obrigatória, tudo
agora de acordo com o Código Civil de 2002.
Ocorreu, então, de o mal-educado e
apedeuta funcionário deixar de receber o dossiê documental onde a empresa
requeria registo, alegando que “o prejudicado é você, que não preencheu direito
o formulário. Volte e conserte; não sei onde você inventou esta besteira!”
Fedelho verde e tolo em muitas
ocasiões, com vinte anos de idade, não protestei nem insisti. Voltei à empresa
sem proceder ao registro. Foi o suficiente para, no dia seguinte, o Dr. Gentil ir
entregar pessoalmente o pacote de documentos, da maneira como estava, ao
principal da JUCEC – lembro-me bem, o Dr. Rodrigo Otávio Correa Barbosa – o
qual aplicou suspensão de três dias no incompetente empregado, que – então, sim
– restou bastante prejudicado.
Faz muitos anos, também (já era docente
da UFC), que fui destratado pelo caixeiro de um depósito de material de
construção, quando quis comprar um “remédio para baratas”, expressão
absolutamente correta, bem como, noutra vez, me referi àquele calanguinho
branco e cego, reportando-me à palavra briba,
pois meu circunstante, um vereador à Câmara de Fortaleza e advogado (“adevogado”)
me repreendeu, em uma mesa no jantar de aniversário do acadêmico doutor Arnaldo
Santos, pois achava ele que o nome era “víbora”. Precisei ser duro e categórico
com o teimoso e seus acompanhantes (alguns, porém, vieram em meu favor) para
convencê-lo de que víbora é outra coisa, não aquela osga esbranquiçada que
costuma dormir atrás dos quadros da parede, onde espera muriçocas e outros pequenos
insetos para se alimentar. A respeito
desses dois eventos, remeto o leitor deste escrito a duas matérias publicadas,
em 18.12.2013 (Remédio para Barata) e
23.01.2015 (É Briba Mesmo!), no blog da Academia Cearense de Literatura
e Jornalismo (academiacearense.blogspot.com.br).
Para fechar estas notas, reporto-me a
uma visita que realizei a um dos açudes sob administração do Departamento
Nacional de Obras contra as Secas – DNOCS, aqui no Ceará, colhendo matéria para
o Jornal Universitário (UFC),
oportunidade em que, com outras pessoas, conhecemos suas instalações e
equipamentos, acolitados por um dos engenheiros da Instituição, o qual nos
ciceroneou por boa parte da imensa barragem – convém dizer – com apropriada
capacidade narrativa. Este reservatório d’água, então, era o maior do Ceará em
capacidade de volume hídrico, antes de inaugurado o “Castanhão”.
Pensando, inocentemente, no entanto, que
estava agarrado em boa escora, após se referir a um equipamento importado e sem
informar de que país, esse tecnólogo escorregou desastrosamente, quando foi por
mim indagado acerca de onde houvera sido adquirida aquela valva, equipagem de uns oito metros de altura, tendo, assim,
respondido, nitidamente tencionando me “corrigir”, espaçando oralmente as
sílabas do termo equivocado “válvula”:
– “Você quer dizer esta v á l v u l a aqui da frente, não é?” –
A isto respondi, também com vagar e separando na voz as duas sílabas (corretas)
da palavra:
– “Sim. Tenciono saber de qual país
procede esta VAL-VA – Vê-a-ele-vê-a - imensa,
de exagerada altura, que está aqui pertinho de nós”. E ele, dirigindo-se às
demais pessoas:
– “Esta vál-vu-la” – continuou com destaque oral, também deletreando a
expressão – “foi importada da Alemanha e custou uma fortuna. É uma vál-vu-la de fabricação demorada, com
tecnologia estudada há muitos anos, hoje utilizada para controle perfeito da
admissão e saída d’água em diversas barragens espalhadas pelo mundo”. (Como se
pudessem ficar amontoadas).
As pessoas que ali estavam, quase
todas de formação universitária, quer conhecessem ou não os dois vocábulos,
notavam a disputa, umas pensando que ele estava correto e outras na certeza de
eu estar certo. Aí apareceu a vontade de explicar-lhe em
público, como o fiz com o caixeiro do remédio para barata e o “adevogado” da briba, há pouco mencionados. Urbanizadamente,
entretanto, me contive e aproveitei-me de uma ocasião em que ele se atrasou
para retirar uns carrapichos aderidos as suas calças para dizer-lhe, sem
ninguém da turma ouvir, evidentemente com outras expressões, o que exprimo
agora para os leitores:
Em Língua Portuguesa, nas flexões de
grau, há os aumentativos e diminutivos analíticos e sintéticos. Para não me
tornar paulificante na explicação, bastante é dizer que, no concernente aos diminutivos sintéticos, estes se fazem
por intermédio dos sufixos -ebre, -ejo, -ete, -eto, -ito, -ote, -ucho, - ULO e , principalmente, -inho e –zinho,
assim: casebre, lugarejo, corpete, folheto, franguito, filhote, papelucho, válvULA (diminutivo sintético de VALVA),
bichinho e riozinho.
Com efeito, não pode existir válvula
grande, de oito metros, por exemplo, pois VÁLVULA é uma VALVA pequena, menor do
que aquelas usadas nos radiotransmissores fabricados antes da descoberta dos
transístores (TRANSfer+resISTOR), em 1947 e de sua popularização dos anos 1950
em diante. Válvula (valva pequena =
diminutivo analítico), por conseguinte, é o diminutivo sintético de VALVA. E
eis que ele restou convencido e, decerto, agradecido por não haver sido exposto
ao ridículo, como intentou me exibir.
Pelo fato de hoje, em especial na
Eletrônica, só se usarem valvas pequenas, as pessoas mais na idade, que
conheceram as ditas peças nos rádios fabricados antes dos equipamentos radiofônicos
transistorizados, chamam as válvulas, equivocamente, de valvas. Por semelhante
pretexto, o engenheiro protagonista desta crônica denomina válvula uma equipagem
de oito metros de altura, talvez por não ter conhecido as primeiras, pensando
que inexiste a unidade de ideia valva.
Com efeito, convém prestar atenção no
aforismo expresso pelo autor latino das Metamorfoses,
Públio Ovídio Nasão, configurado em IGNOTI
NULLA CUPIDO – “ao ignorante nenhum desejo”, igual a “não tente expressar
aquilo que não conhece”.
Em bom Português: não se meta com o
que não sabe!
COMENTÁRIO:
Excelente texto. Lembrou-me o inicio da
minha carreira de Engenheiro Eletrônico, onde estudávamos as “válvulas”,
posteriormente os transistores, e logo em seguida os componentes digitais, “as
portas eletrônicas”. Mas o texto exprime, literalmente, como a nossa língua é
rica em vocábulos e, diga-se de passagem, difícil. Parabéns, Professor Vianney, por mais essa aula, e, sobretudo, pelo conteúdo humorístico. Dei boas risadas.
Washington.
Teimar com o professor Vianney
Mesquita acerca de vocábulos e expressões da nossa Língua Portuguesa é perder e
ganhar. Perder a teima, mas ganhar conhecimento. Parabéns, conterrâneo e colega
árcade Jovem Chronos, Palmácia precisa conhecer sua potencialidade!
Iolanda Andrade
O vocábulo "amanuense", pelo
autor usado, me faz lembrar uma passagem minha como Chefe de Gabinete da
Prefeitura de PALMACIA. Uma vez me faltou apelido para fazer o registro da
descrição da função de um certo funcionário, que à época fazia o serviço de um agente
administrativo. Eu não sabia o que colocar na Carteira de Trabalho, porque na
repartição não existia um Plano de Cargos e Carreiras. Recorri ao professor
Vicente Sampaio para saber como fazer o registro. De imediato ele respondeu:
coloque AMANUENSE. Essa expressão, cujo cargo nosso conterrâneo Vianney já
exerceu, em muito me faz lembrar aquela passagem.
Lúcia Andrade
Excelente texto . Me lembrou o inicio da minha carreira de Engenheiro Eletrônico , onde estudávamos as "válvulas" , posteriormente os Transistores e logo em seguida os componente digitais , "as portas eletrônicas". Mas o texto exprime literalmente , como a nossa língua é rica em vocábulo e , diga-se de passagem , difícil.
ResponderExcluirParabéns Professor Vianney por mais esta aula e sobretudo pelo conteúdo humorístico . Dei umas boas risadas. Parabéns mais uma vez.
Teimar com o professor Vianney Mesquita acerca de vocábulos e expressões da nossa Língua Portuguesa é perder e ganhar. Perder a teima, mas ganhar conhecimento. Parabéns, conterrâneo e colega árcade Jovem Chronos, Palmácia precisa conhecer sua potencialidade!
ResponderExcluirO vocábulo "amanuense", pelo autor usado, me faz lembrar uma passagem minha como Chefe de Gabinete da Prefeitura de PALMACIA. Uma vez me faltou apelido para fazer o registro da descrição da função de um certo funcionário, que à época fazia o serviço de um agente administrativo. Eu não sabia o que colocar na Carteira de Trabalho, porque na repartição não existia um Plano de Cargos e Carreiras. Recorri ao professor Vicente Sampaio para saber como fazer o registro. De imediato ele respondeu: coloque AMANUENSE. Essa expressão, cujo cargo nosso conterrâneo Vianney já exerceu, em muito me faz lembrar aquela passagem.
ResponderExcluirLúcia Andrade
O vocábulo "amanuense", pelo autor usado, me faz lembrar uma passagem minha como Chefe de Gabinete da Prefeitura de PALMACIA. Uma vez me faltou apelido para fazer o registro da descrição da função de um certo funcionário, que à época fazia o serviço de um agente administrativo. Eu não sabia o que colocar na Carteira de Trabalho, porque na repartição não existia um Plano de Cargos e Carreiras. Recorri ao professor Vicente Sampaio para saber como fazer o registro. De imediato ele respondeu: coloque AMANUENSE. Essa expressão, cujo cargo nosso conterrâneo Vianney já exerceu, em muito me faz lembrar aquela passagem.
ResponderExcluirLúcia Andrade