quarta-feira, 13 de julho de 2016

CORRESPONDÊNCIA - Em Qual Cabeça Assenta Este Capéu? (VM)



EM QUAL CABEÇA
ASSENTA ESTE CHAPÉU?
Vianney Mesquita*

Os mortais são demasiadamente fracos para não sentirem vertigens nas grandes alturas. (Johann Wolfgang GOETHE).


Na semana passada, dirigi a carta sequente a uma pessoa que me confiou a revista de um livro magnificamente composto, sob o prisma da língua, dos aprestos narrativos e capacidade de segurar o leitor (caso não contivesse as obliquidades à frente narradas) em razão das suas incontestáveis habilidades comunicativas. Sem dúvida, este é fato revelador e confirmatório da inteligência cearense, a qual, tão recursivamente, pontifica no panorama artístico-literário nacional. Mencionada obra, entretanto, está repleta dos senões anulatórios desses valores, conforme o consulente deste escrito terá o lance de verificar.

Lícito é dizer que, desde iniciado o mister de buscar a depuração de escritos para publicação, por centenas de vezes, o infame viés me aborrece e molesta, no entanto, nesta oportunidade, já não suportei martírio tão recorrente e decidi, com veemência, protestar, denunciando-o à própria escritora, ao lhe endereçar um doce-amargo libelo, na esperança de que ela se desvie dessas deformidades, ao fazer com que as presunções pessoais empanem a estimação da obra e afastem de sua leitura o bom consultante.

Na sequência, o texto da missiva, noutra fonte gráfica, com nome e sexo fictícios da pessoa.



Fortaleza, 8 de julho de 2016
Excelentíssima Senhora
Prof.a. Dr.a Ascensa às Alturas

Pax et bonum.

A Senhora não me pediu qualquer conceito acerca do seu livro, tampouco me conhece, até a julgar pela maneira como se dirigiu a mim, dizendo – “Vianney, aqui é a professora doutora Ascensa, da Universidade Celeste”, em vez de falar: Professor Vianney, aqui é a Professora Ascensa”, ou “Vianney, é a Ascensa” – desculpe, não sei se intentando já sair por cima.

Como não sou, conforme disse Gilberto Freyre a respeito dos críticos, mero mata-mosquito da higiene da Gramática, guarda-civil da ordem gramatical, mas uma pessoa afeita a textos acadêmicos e literários há mais de 40 anos – aduzindo o fato de que publico agora Esboços e Arquétipos, meu vigésimo livro, felizmente, reúno um mínimo de aptidão para emitir juízo, tanto acerca de escritos acadêmicos, quanto literários, com razoável poder opinativo.

Poucas vezes – adianto – muito poucas, divisei em escritores cearenses tanta capacidade de encantar leitores quanto a Senhora, nestes originais transitados pelo meu crivo gramatical e joeira estilística, hajam vistas o alcance raciocinativo, a graça e a beleza expressos elegantemente em suas peças escriturais em língua-prosa, acolitadas pelo estro poético emoldurando a linha particular da crônica, esse gênero bem peculiar aos escritores nacionais, mormente por meio dos periódicos diários e, empós, ajuntadas como livro.

Há, entretanto, um registo de algo por demais antipático e que não aprecio – até detesto – na sua escrita, conforme deve acontecer, também, com leitores mais aprestados. Este configura o fato de não fazer reserva de sua pessoa como personagem de algumas das crônicas, aparecendo, sempre, Urbi et Orbi (Para Roma e o Mundo), como a Professora Ascensa doutora, mestra e docente-livre, autora de dezenas de textos científicos, tuxaua da sua academia, derradeira Coca Cola do Saara, numa manifestação de talvez ingênua e descabida presunção, absolutamente desnecessária – decerto sem se dar conta disso, até acredito.

Seus escritos – e tenho disso toda a convicção – pelo que de particular excele em qualidade, mesmo sem sua assinatura, após conhecidos do consulente, serão divisados como seus em quaisquer lugares e em todas as circunstâncias, fazendo jus à divisa buffoniana segundo a qual Le style c’est l’homme même, de sorte que, pode restar persuadida, é da mais elevada linha literária.

Por esse pretexto – e até para que eu experimente o ensejo de lhe dirigir, no futuro livro, comentários airosos, pois desalinhados não costumo proceder a respeito de obra alguma – sugiro disfarçar sua pessoa em tertium genus protagonista das estórias, pelo que sobrará mais simpática ao público ledor, removendo a redundância expressa na sua literatura de alevantada essência, adida à “necessidade” supérflua de aparecer na jactância excessivamente mostrada como mandachuva da humanidade, espelho da inteligência e referência derradeira de pessoa, haja vista o fato de que é contrassenso apresentar Romeu Montecchio a Guilherme Shakespeare.
Abraço
VM.
***

De tal sorte, leitor-escritor, espero que lhe não caiba esta carapuça! Se couber, abomine-a desde então.


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