EM QUAL CABEÇA
ASSENTA ESTE CHAPÉU?
Vianney Mesquita*
Os mortais são demasiadamente
fracos para não sentirem vertigens nas grandes alturas. (Johann Wolfgang GOETHE).
Na semana passada, dirigi a carta sequente a uma pessoa que me confiou a
revista de um livro magnificamente composto, sob o prisma da língua, dos
aprestos narrativos e capacidade de segurar o leitor (caso não contivesse as obliquidades
à frente narradas) em razão das suas incontestáveis habilidades comunicativas.
Sem dúvida, este é fato revelador e confirmatório da inteligência cearense, a
qual, tão recursivamente, pontifica no panorama artístico-literário nacional. Mencionada
obra, entretanto, está repleta dos senões anulatórios desses valores, conforme
o consulente deste escrito terá o lance de verificar.
Lícito é dizer que, desde iniciado o mister de buscar a depuração de
escritos para publicação, por centenas de vezes, o infame viés me aborrece e
molesta, no entanto, nesta oportunidade, já não suportei martírio tão
recorrente e decidi, com veemência, protestar, denunciando-o à própria escritora,
ao lhe endereçar um doce-amargo libelo, na esperança de que ela se desvie
dessas deformidades, ao fazer com que as presunções pessoais empanem a estimação
da obra e afastem de sua leitura o bom consultante.
Na sequência, o texto da missiva, noutra fonte gráfica, com nome e sexo
fictícios da pessoa.
Fortaleza, 8 de
julho de 2016
Excelentíssima
Senhora
Prof.a. Dr.a
Ascensa às Alturas
Pax et bonum.
A Senhora não
me pediu qualquer conceito acerca do seu livro, tampouco me conhece, até a
julgar pela maneira como se dirigiu a mim, dizendo – “Vianney, aqui é a
professora doutora Ascensa, da Universidade Celeste”, em vez de falar:
Professor Vianney, aqui é a Professora Ascensa”, ou “Vianney, é a Ascensa” –
desculpe, não sei se intentando já sair por cima.
Como não sou,
conforme disse Gilberto Freyre a respeito dos críticos, mero mata-mosquito da
higiene da Gramática, guarda-civil da ordem gramatical, mas uma pessoa afeita a
textos acadêmicos e literários há mais de 40 anos – aduzindo o fato de que
publico agora Esboços e Arquétipos,
meu vigésimo livro, felizmente, reúno um mínimo de aptidão para emitir juízo,
tanto acerca de escritos acadêmicos, quanto literários, com razoável poder
opinativo.
Poucas vezes –
adianto – muito poucas, divisei em escritores cearenses tanta capacidade de
encantar leitores quanto a Senhora, nestes originais transitados pelo meu crivo
gramatical e joeira estilística, hajam vistas o alcance raciocinativo, a graça
e a beleza expressos elegantemente em suas peças escriturais em língua-prosa,
acolitadas pelo estro poético emoldurando a linha particular da crônica, esse
gênero bem peculiar aos escritores nacionais, mormente por meio dos periódicos
diários e, empós, ajuntadas como livro.
Há, entretanto,
um registo de algo por demais antipático e que não aprecio – até detesto – na
sua escrita, conforme deve acontecer, também, com leitores mais aprestados.
Este configura o fato de não fazer reserva de sua pessoa como personagem de
algumas das crônicas, aparecendo, sempre, Urbi
et Orbi (Para Roma e o Mundo), como a Professora Ascensa doutora, mestra e
docente-livre, autora de dezenas de textos científicos, tuxaua da sua academia,
derradeira Coca Cola do Saara, numa manifestação de talvez ingênua e descabida
presunção, absolutamente desnecessária – decerto sem se dar conta disso, até
acredito.
Seus escritos –
e tenho disso toda a convicção – pelo que de particular excele em qualidade,
mesmo sem sua assinatura, após conhecidos do consulente, serão divisados como
seus em quaisquer lugares e em todas as circunstâncias, fazendo jus à divisa
buffoniana segundo a qual Le style c’est
l’homme même, de sorte que, pode restar persuadida, é da mais elevada linha
literária.
Por esse
pretexto – e até para que eu experimente o ensejo de lhe dirigir, no futuro
livro, comentários airosos, pois desalinhados não costumo proceder a respeito
de obra alguma – sugiro disfarçar sua pessoa em tertium genus protagonista das estórias, pelo que sobrará mais
simpática ao público ledor, removendo a redundância expressa na sua literatura
de alevantada essência, adida à “necessidade” supérflua de aparecer na jactância
excessivamente mostrada como mandachuva da humanidade, espelho da inteligência
e referência derradeira de pessoa, haja vista o fato de que é contrassenso
apresentar Romeu Montecchio a Guilherme Shakespeare.
Abraço
VM.
***
De tal sorte,
leitor-escritor, espero que lhe não caiba esta carapuça! Se couber,
abomine-a desde então.
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