Por Altino Farias*
De camisa colorida com motivos tropicais, compareceu ao primeiro dia de
trabalho naquele belo, porém, modesto hotel. Antes de iniciar o expediente,
trocou a camisa com estampa floral por um discreto terno, que lhe caía muito
bem aos ombros. Assim estava habituado.
Problemas com a água quente, jardins, garagem, roupas de cama e banho,
restaurante, bar, suprimentos, instalações elétricas e hidráulicas, limpeza
geral, reservas, manutenção de elevadores, freezers, fornos...
Folha de pagamento, recebíveis, impostos (argh, ele odiava os impostos),
pagáveis, depósitos, retornáveis, saques, clientes, reclamações, estornos e
transtornos.
Seguranças, ascensoristas, recepcionistas, manobristas, garagistas
camareiras, garçons, cozinheiros, jardineiros, serventes e técnicos diversos
num vai e vem infernal e sem fim.
Ao cair da tarde, enfim, ele se encolhe e se recolhe aos seus modestos
aposentos. Do glamour e agitação do dia, para o despojamento e o sossego
concentrados em poucos metros quadrados à noite, numa transformação radical.
Quem diria ser ele tão simples assim.
Que pensamentos ocupariam sua mente nesses momentos de clausura? Que
planos estaria traçando para seu futuro? Quem sabe...
Na manhã seguinte, seu segundo dia no hotel, já chegou ao trabalho de
paletó e gravata. Delegou funções, fez algumas ligações pessoais, contatos.
Reservou um apartamento em local discreto para si próprio. Tinha esse direito
como gerente. Lá poderia tomar um bom banho com privacidade e descansaria da
labuta nos raros e rápidos momentos em que fosse possível.
No terceiro dia, já com o responsável por cada tarefa devidamente
designado, ficou mais livre para “administrar” seu tempo, e visitou seu
discreto apartamento pela primeira vez. E pela primeira vez recebeu visitantes
particulares. Tapinhas nas costas, saudações, sorrisos, telefonemas, e lá se
vai ele, ao fim da tarde, para seu refúgio franciscano.
O quarto dia foi o primeiro de uma nova rotina: hotel aos cuidados dos
comandados, livre para tratar de “outros assuntos” com os visitantes de seu
discreto apartamento. E assim foram os outros tantos dias que se seguiram a
esse.
“Mas, e o hotel, como fica?”, perguntariam vocês. “Ora bolas! O hotel
que se dane!”, responderia ele, arrogante, sem lembrar que ao cair da noite,
toda noite, voltaria a ser ninguém novamente.
*Pedro
Altino Farias, em 26/11/2013
Engenheiro
Civil - Cronista - Blogueiro
Titular
da Cadeira de nº 16 da ACLJ
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