quarta-feira, 27 de novembro de 2013

CRÔNICA

Por Altino Farias* 



De camisa colorida com motivos tropicais, compareceu ao primeiro dia de trabalho naquele belo, porém, modesto hotel. Antes de iniciar o expediente, trocou a camisa com estampa floral por um discreto terno, que lhe caía muito bem aos ombros. Assim estava habituado.

Problemas com a água quente, jardins, garagem, roupas de cama e banho, restaurante, bar, suprimentos, instalações elétricas e hidráulicas, limpeza geral, reservas, manutenção de elevadores, freezers, fornos...

Folha de pagamento, recebíveis, impostos (argh, ele odiava os impostos), pagáveis, depósitos, retornáveis, saques, clientes, reclamações, estornos e transtornos.  

Seguranças, ascensoristas, recepcionistas, manobristas, garagistas camareiras, garçons, cozinheiros, jardineiros, serventes e técnicos diversos num vai e vem  infernal e sem fim.

Ao cair da tarde, enfim, ele se encolhe e se recolhe aos seus modestos aposentos. Do glamour e agitação do dia, para o despojamento e o sossego concentrados em poucos metros quadrados à noite, numa transformação radical. Quem diria ser ele tão simples assim.

Que pensamentos ocupariam sua mente nesses momentos de clausura? Que planos estaria traçando para seu futuro? Quem sabe...

Na manhã seguinte, seu segundo dia no hotel, já chegou ao trabalho de paletó e gravata. Delegou funções, fez algumas ligações pessoais, contatos. Reservou um apartamento em local discreto para si próprio. Tinha esse direito como gerente. Lá poderia tomar um bom banho com privacidade e descansaria da labuta nos raros e rápidos momentos em que fosse possível.

No terceiro dia, já com o responsável por cada tarefa devidamente designado, ficou mais livre para “administrar” seu tempo, e visitou seu discreto apartamento pela primeira vez. E pela primeira vez recebeu visitantes particulares. Tapinhas nas costas, saudações, sorrisos, telefonemas, e lá se vai ele, ao fim da tarde, para seu refúgio franciscano.

O quarto dia foi o primeiro de uma nova rotina: hotel aos cuidados dos comandados, livre para tratar de “outros assuntos” com os visitantes de seu discreto apartamento. E assim foram os outros tantos dias que se seguiram a esse.

“Mas, e o hotel, como fica?”, perguntariam vocês. “Ora bolas! O hotel que se dane!”, responderia ele, arrogante, sem lembrar que ao cair da noite, toda noite, voltaria a ser ninguém novamente.    


*Pedro Altino Farias, em 26/11/2013
Engenheiro Civil - Cronista - Blogueiro

Titular da Cadeira de nº 16 da ACLJ

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