DILEMA JORNALÍSTICO
Por Reginaldo Vasconcelos*
Por Reginaldo Vasconcelos*
Antigamente,
jornalista era quem produzia notícias, artigos e crônicas de cunho autoral para
serem publicadas nos jornais, alguns dos quais passavam a divulgar suas
matérias pelo rádio, em caráter editorial, ou então assinados com nome ou
pseudônimo oficial do redator.
Os donos e os
gráficos dos periódicos, e os operadores de som das emissoras, a princípio não
alcançavam o status de jornalista, que comportava apenas os repórteres,
geralmente jovens “focas” que cumpriam as pautas, cobrindo política, polícia ou
futebol, às vezes figurando como enviados especiais ou correspondentes de
guerra – e articulistas de mais prestígio que pautavam a si mesmos,
frequentando certos meios e divulgando sociedade ou exprimindo opiniões
políticas pessoais.
Deste último extrato
surgiram os primeiros assessores de imprensa e jornalistas “chapa-branca”, todos
assalariados por entidades não jornalísticas, os quais, mais do que
transmitir notícias, passavam a porta-vozes de instituições e autoridades,
difundindo notas oficiais, bem como oferecendo versões e desmentidos sobre
informações adversas ao seu empregador, tornadas públicas pelas empresas
jornalísticas.
Todas essas pessoas
que ingressavam ainda jovens no jornalismo eram a princípio naturalmente
selecionadas entre os melhores estudantes, gente oriunda das boas escolas
públicas, dos melhores colégios de padres, às vezes dos seminários católicos,
que portanto escreviam bem, haviam estudado latim e conheciam o idioma. No
âmbito local, esse era o caso de um Perboyre e Silva, de um Jader de Carvalho,
de um Cid Carvalho, de uma Adísia Sá, de um Blanchard Girão, de um Ciro
Saraiva, dentre tantos.
Destes
todos, somente iam para o rádio os oradores mais fluentes, de
timbre agradável e perfeita dicção, voz bem impostada e califásica.
Uma
vez fixados na profissão, isso equivalia a ter curso superior, embora uma boa
parte tivesse realmente formação universitária, geralmente em filosofia ou em
direito.
Nesse tempo se
entendia que a função da mídia, a par de difundir verdades fáticas, era
promover a cultura e a virtude, de modo a influenciar o público no sentido de
valorizar o humanismo, difundir conhecimentos gerais, a boa conduta social e a
melhor ética pública.
Claro
que já havia também a chamada “imprensa marrom”, composta por jornais e
jornalistas que, para garantir audiência, praticam a mentira e o
sensacionalismo, e que dedicam sua “pena” eloquente a políticos desonestos e a
causas menos nobres, ou vendem seu silêncio a autoridades que queiram barrar
especulações e ataques à sua reputação política ou administrativa duvidosa – e
são por eles achacadas.
De
todo modo, do início do século passado até os anos 60, o jornalismo era
uma atividade edificante e distinta, e os jornalistas compunham uma classe
profissional diferenciada, sem fortuna financeira, mas de enorme prestígio
social.
Eram
recebidos e festejados por grandes políticos e empresários, tinham acesso
franqueado a eventos públicos e privados, eram agraciados com “permanentes” para
frequentar clubes sociais muito fechados, e eram especialmente temidos pelos
poderosos que tivessem qualquer “rabo de palha”.
Foi
o tempo áureo em que entidades de classe como a Associação Brasileira de
Imprensa e a nossa ACI foram fundadas e reinaram no Brasil. Mas, com o advento
da televisão, o jornalismo impresso foi perdendo força e a atividade radiofônica
foi se banalizando e perdendo qualidade, enquanto concessões públicas para a
instalação de emissoras de rádio e TV se tornaram moeda de troca na grande
politicagem nacional. Os programas da radiodifusão foram sendo entregues a
apedeutas e a tatibitates, microfones e colunas de jornal abertos a quem não
sabia falar nem escrever.
Houve então uma
absoluta inversão da função da mídia, em relação à sociedade, cujo fito, até então, era
informar a realidade ao grande público, procurando elevar o padrão cultural do
povo por meio de um entretenimento mais erudito e refinado.
Entretanto,
ao invés, o jornal, o rádio e a televisão passaram a descer ao nível das massas
incultas (mesmo processo sofrido pela música popular), numa guerra insana por
leitorado e audiência a qualquer custo, às vezes em busca de consumidores de varejo, de fieis ou de
eleitores – à medida que a evolução econômica do País ia elevando o poder
aquisitivo das pessoas, muito antes de lhes propiciar melhorias de intelecto e
educação.
Instalado
esse quadro sombrio, o sindicato da classe resolveu trabalhar pela
regulamentação oficial da profissão, e com a criação dos cursos superiores de
jornalismo se pretendeu que o diploma universitário específico passasse a ser
requisito indispensável para o registro profissional no Ministério do Trabalho,
e, consequentemente, para o efetivo exercício da profissão – tudo numa
tentativa de recuperar a boa qualidade da imprensa nacional.
A
intenção era boa, mas o resultado foi funesto. Durante uma longa batalha
jurídica, por força de liminares, muitos jornalistas vocacionados
foram impedidos de trabalhar, e muitos bons redatores, à míngua do diploma de
jornalista, foram proibidos de publicar sua produção.
Finalmente
o Supremo Tribunal Federal entendeu que, em nome da liberdade de expressão, o “canudo”
universitário, e mesmo o registro profissional de jornalista, não poderão
ser exigidos a quem pretenda militar na profissão.
Hoje
a DRT ainda concede o registro de jornalista a quem comprove ter cumprido
meramente o ensino médio, e o sindicato da profissão ainda exige o diploma de
jornalista para fazer a inscrição de afiliados – muitos dos quais não têm
vocação nem absorveram, de fato, os conteúdos do curso superior que concluíram.
Então, afinal, o que é um jornalista atualmente? Quem tem
um diploma na gaveta, ainda que
sem interesse, e sem vocação ou capacidade intelectual para produzir textos, ou para obter e transmitir
informação? Ou jornalista é aquele que adquire espaço na mídia, através de
igrejas ou de produtoras independentes de conteúdos, somente para mistificar e ganhar
dinheiro? Ou jornalista é quem obtém um contrato de trabalho com uma empresa
jornalística? Ou seriam somente os que se institucionalizam e exibem uma carteira
sindical?
Não
importa mais. Hoje, por meio da Internet, da sala de casa, pessoas de quaisquer
ofícios podem obter mais audiência para seus blogs, em âmbito mundial, que um
festejado jornalista das revista Época ou Veja, ou do Sistema Globo de Jornal,
Rádio e TV – grupos empresariais nacionais que ainda representam polos de
excelência em comunicação neste País.
Para a ACLJ,
jornalistas são – além dos consagrados luminares
do jornalismo tradicional cearense – os notórios formadores de
opinião em geral, e os intelectuais que produzem a chamada
"literatura ligeira", em qualquer de seus suportes e linguagens, desde que em bom português: a
crônica, o conto, a resenha, o ensaio, a sátira, o documentário, a charge, a
reportagem, etc.
*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da
ACLJ
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