sábado, 23 de novembro de 2013

ARTIGO

DILEMA JORNALÍSTICO 
Por Reginaldo Vasconcelos*

Antigamente, jornalista era quem produzia notícias, artigos e crônicas de cunho autoral para serem publicadas nos jornais, alguns dos quais passavam a divulgar suas matérias pelo rádio, em caráter editorial, ou então assinados com nome ou pseudônimo oficial do redator.


Os donos e os gráficos dos periódicos, e os operadores de som das emissoras, a princípio não alcançavam o status de jornalista, que comportava apenas os repórteres, geralmente jovens “focas” que cumpriam as pautas, cobrindo política, polícia ou futebol, às vezes figurando como enviados especiais ou correspondentes de guerra – e articulistas de mais prestígio que pautavam a si mesmos, frequentando certos meios e divulgando sociedade ou exprimindo opiniões políticas pessoais.


Deste último extrato surgiram os primeiros assessores de imprensa e jornalistas “chapa-branca”, todos assalariados por entidades não jornalísticas, os quais, mais do que transmitir notícias, passavam a porta-vozes de instituições e autoridades, difundindo notas oficiais, bem como oferecendo versões e desmentidos sobre informações adversas ao seu empregador, tornadas públicas pelas empresas jornalísticas. 

Todas essas pessoas que ingressavam ainda jovens no jornalismo eram a princípio naturalmente selecionadas entre os melhores estudantes, gente oriunda das boas escolas públicas, dos melhores colégios de padres, às vezes dos seminários católicos, que portanto escreviam bem, haviam estudado latim e conheciam o idioma. No âmbito local, esse era o caso de um Perboyre e Silva, de um Jader de Carvalho, de um Cid Carvalho, de uma Adísia Sá, de um Blanchard Girão, de um Ciro Saraiva, dentre tantos.
Destes todos, somente iam para o rádio os oradores mais fluentes, de timbre agradável e perfeita dicção, voz bem impostada e califásica. 

Uma vez fixados na profissão, isso equivalia a ter curso superior, embora uma boa parte tivesse realmente formação universitária, geralmente em filosofia ou em direito.

Nesse tempo se entendia que a função da mídia, a par de difundir verdades fáticas, era promover a cultura e a virtude, de modo a influenciar o público no sentido de valorizar o humanismo, difundir conhecimentos gerais, a boa conduta social e a melhor ética  pública.

Claro que já havia também a chamada “imprensa marrom”, composta por jornais e jornalistas que, para garantir audiência, praticam a mentira e o sensacionalismo, e que dedicam sua “pena” eloquente a políticos desonestos e a causas menos nobres, ou vendem seu silêncio a autoridades que queiram barrar especulações e ataques à sua reputação política ou administrativa duvidosa – e são por eles achacadas.

De todo modo,  do início do século passado até os anos 60, o jornalismo era uma atividade edificante e distinta, e os jornalistas compunham uma classe profissional diferenciada, sem fortuna financeira, mas de enorme prestígio social.  


Eram recebidos e festejados por grandes políticos e empresários, tinham acesso franqueado a eventos públicos e privados, eram agraciados com “permanentes” para frequentar clubes sociais muito fechados, e eram especialmente temidos pelos poderosos que tivessem qualquer “rabo de palha”.  


Foi o tempo áureo em que entidades de classe como a Associação Brasileira de Imprensa e a nossa ACI foram fundadas e reinaram no Brasil. Mas, com o advento da televisão, o jornalismo impresso foi perdendo força e a atividade radiofônica foi se banalizando e perdendo qualidade, enquanto concessões públicas para a instalação de emissoras de rádio e TV se tornaram moeda de troca na grande politicagem nacional. Os programas da radiodifusão foram sendo entregues a apedeutas e a tatibitates, microfones e colunas de jornal abertos a quem não sabia falar nem escrever.


Houve então uma absoluta inversão da função da mídia, em relação à sociedade, cujo fito, até então, era informar a realidade ao grande público, procurando elevar o padrão cultural do povo por meio de um entretenimento mais erudito e refinado.

Entretanto, ao invés, o jornal, o rádio e a televisão passaram a descer ao nível das massas incultas (mesmo processo sofrido pela música popular), numa guerra insana por leitorado e audiência a qualquer custo, às vezes em busca de consumidores de varejo, de fieis ou de eleitores – à medida que a evolução econômica do País ia elevando o poder aquisitivo das pessoas, muito antes de lhes propiciar melhorias de intelecto e educação.

Instalado esse quadro sombrio, o sindicato da classe resolveu trabalhar pela regulamentação oficial da profissão, e com a criação dos cursos superiores de jornalismo se pretendeu que o diploma universitário específico passasse a ser requisito indispensável para o registro profissional no Ministério do Trabalho, e, consequentemente, para o efetivo exercício da profissão – tudo numa tentativa de recuperar a boa qualidade da imprensa nacional.

A intenção era boa, mas o resultado foi funesto. Durante uma longa batalha jurídica, por força de liminares,   muitos jornalistas vocacionados foram impedidos de trabalhar, e muitos bons redatores, à míngua do diploma de jornalista, foram proibidos de publicar sua produção.

Finalmente o Supremo Tribunal Federal entendeu que, em nome da liberdade de expressão, o “canudo” universitário, e  mesmo o registro profissional de jornalista, não poderão ser exigidos a quem pretenda militar na profissão.


Hoje a DRT ainda concede o registro de jornalista a quem comprove ter cumprido meramente o ensino médio, e o sindicato da profissão ainda exige o diploma de jornalista para fazer a inscrição de afiliados – muitos dos quais não têm vocação nem absorveram, de fato, os conteúdos do curso superior que concluíram. 


Então, afinal, o que é um jornalista atualmente? Quem tem um diploma na gaveta, ainda que sem interesse, e sem vocação ou capacidade intelectual para produzir textos, ou para obter e transmitir informação? Ou jornalista é aquele que adquire espaço na mídia, através de igrejas ou de produtoras independentes de conteúdos, somente para mistificar e ganhar dinheiro? Ou jornalista é quem obtém um contrato de trabalho com uma empresa jornalística? Ou seriam somente os que se institucionalizam e exibem uma carteira sindical?  


Não importa mais. Hoje, por meio da Internet, da sala de casa, pessoas de quaisquer ofícios podem obter mais audiência para seus blogs, em âmbito mundial, que um festejado jornalista das revista Época ou Veja, ou do Sistema Globo de Jornal, Rádio e TV – grupos empresariais nacionais que ainda representam polos de excelência em comunicação neste País. 


Para a ACLJ, jornalistas são – além dos consagrados luminares do  jornalismo tradicional cearense – os notórios formadores de opinião em geral, e os intelectuais que produzem a chamada "literatura ligeira", em qualquer de seus suportes e linguagens, desde que em bom português: a crônica, o conto, a resenha, o ensaio, a sátira, o documentário, a charge, a reportagem, etc. 
      
*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da
ACLJ  

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