ATROPELAMENTO
Por Altino Farias*
Empresa em processo de
falência, salários em atraso. Com apenas cincos reais no bolso, deixei o tempo
correr um pouco para ir apanhar meus dois filhos pequenos no colégio. Estava
muito cedo. Sai do trabalho com meu Opala num rodar preguiçoso, parando no primeiro
posto de combustíveis, onde abasteci com os reais de que dispunha.
Trafegando por uma via de
três faixas de sentido único, deparei-me com um semáforo vermelho. Aproveitei
para jogar uma “banguela” fazendo o carro deslizar, quase parando. Havia dois
veículos parados ao sinal vermelho: um na faixa da esquerda, outro na do centro.
Então, dirigi-me à da direita.
Quando estava prestes a
imobilizar totalmente o veículo, a luz verde acendeu, então, engatei uma
segunda marcha e prossegui. Ocorre que um garoto de cerca de cinco anos vinha
atravessando a avenida sem que eu percebesse. Brequei imediatamente, mas ainda encostei
na criança, que caiu e bateu com a cabeça no chão.
De repente, não sei de onde,
apareceu a mãe do menino. Coloquei os dois dentro do carro e dirigi-me ao
pronto socorro. Enquanto a mãe da criança aguardava uma consulta, liguei
pedindo à minha esposa que fosse apanhar nossos filhos no colégio, que àquela
altura deveriam estar com bastante fome, impacientes e preocupados.
Como bom cidadão, aguardei
todo o procedimento: consulta, radiografia e laudo final do neurologista, que
liberou o menino. Prontifiquei-me a levá-los à casa para finalizar tudo na paz.
Porém, quando fui retirar o
carro do estacionamento, lembrei que não tinha uma moedinha sequer nos bolsos. Argumentava
com o rapaz do caixa para que me liberasse, comprometendo-me a mais tarde
providenciar o pagamento. Foi quando um senhor, ouvindo meu pedido, adiantou-se,
liquidando meu “fabuloso” débito de um real. Agradeci-lhe penhoradamente.
No trajeto de volta, tudo bem
e resolvido, a mãe do garoto, ainda nervosa, começou a reclamar, chamando-me de
irresponsável e avisando que seu marido estava em casa nos aguardando para se
entender comigo. Então, seguiu-se breve diálogo:
─ Ótimo, assim vou contar a
ele que seu filho atravessa a avenida desacompanhado...
─ Desacompanhado? Como? Eu
estava com ele!
─ Ah! Se estava, como é que
atingi somente o garoto e não a senhora? Onde a senhora estava? Qual é mesmo
seu endereço, heim?
─ Olha... Faça o seguinte... Pode
deixar a gente na próxima esquina que tá bom.
E nunca mais ouvi falar da
tal senhora nem tampouco de seu marido...
*Altino Farias
Engenheiro e Blogueiro
Titular da Cadeira de nº 16 da ACLJ
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