quarta-feira, 6 de novembro de 2013

CRÔNICA

ATROPELAMENTO
Por Altino Farias*



Empresa em processo de falência, salários em atraso. Com apenas cincos reais no bolso, deixei o tempo correr um pouco para ir apanhar meus dois filhos pequenos no colégio. Estava muito cedo. Sai do trabalho com meu Opala num rodar preguiçoso, parando no primeiro posto de combustíveis, onde abasteci com os reais de que dispunha.

Trafegando por uma via de três faixas de sentido único, deparei-me com um semáforo vermelho. Aproveitei para jogar uma “banguela” fazendo o carro deslizar, quase parando. Havia dois veículos parados ao sinal vermelho: um na faixa da esquerda, outro na do centro. Então, dirigi-me à da direita. 

Quando estava prestes a imobilizar totalmente o veículo, a luz verde acendeu, então, engatei uma segunda marcha e prossegui. Ocorre que um garoto de cerca de cinco anos vinha atravessando a avenida sem que eu percebesse. Brequei imediatamente, mas ainda encostei na criança, que caiu e bateu com a cabeça no chão.

De repente, não sei de onde, apareceu a mãe do menino. Coloquei os dois dentro do carro e dirigi-me ao pronto socorro. Enquanto a mãe da criança aguardava uma consulta, liguei pedindo à minha esposa que fosse apanhar nossos filhos no colégio, que àquela altura deveriam estar com bastante fome, impacientes e preocupados. 

Como bom cidadão, aguardei todo o procedimento: consulta, radiografia e laudo final do neurologista, que liberou o menino. Prontifiquei-me a levá-los à casa para finalizar tudo na paz.

Porém, quando fui retirar o carro do estacionamento, lembrei que não tinha uma moedinha sequer nos bolsos. Argumentava com o rapaz do caixa para que me liberasse, comprometendo-me a mais tarde providenciar o pagamento. Foi quando um senhor, ouvindo meu pedido, adiantou-se, liquidando meu “fabuloso” débito de um real. Agradeci-lhe penhoradamente. 

No trajeto de volta, tudo bem e resolvido, a mãe do garoto, ainda nervosa, começou a reclamar, chamando-me de irresponsável e avisando que seu marido estava em casa nos aguardando para se entender comigo. Então, seguiu-se breve diálogo: 

Ótimo, assim vou contar a ele que seu filho atravessa a avenida desacompanhado... 

Desacompanhado? Como? Eu estava com ele!

Ah! Se estava, como é que atingi somente o garoto e não a senhora? Onde a senhora estava? Qual é mesmo seu endereço, heim?

Olha... Faça o seguinte... Pode deixar a gente na próxima esquina que tá bom.

E nunca mais ouvi falar da tal senhora nem tampouco de seu marido...

*Altino Farias
Engenheiro e Blogueiro
Titular da Cadeira de nº 16 da ACLJ

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