terça-feira, 5 de novembro de 2013

ARTIGO

AS BIOGRAFIAS E O EQUILÍBRIO DE NASH
Por Reginaldo Vasconcelos*

O País pega fogo com a discussão em torno dos artigos 20 e 21 do novo Código Civil, contra os quais se insurgiu a Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL, que move uma ação no Supremo Tribunal pedindo seja declarada a inconstitucionalidade desses dois dispositivos legais.

Esses dois artigos do Código Civil, em vigor desde o ano de 2002, impõem que se obtenha uma autorização prévia de qualquer pessoa sobre quem se queira falar por qualquer meio gráfico ou audiovisual – o que caracteriza a odienta “censura prévia”, um dos demônios que assombram o espírito democrático, e que não encontra respaldo na Constituição Federal de 1988.

Em favor dos referidos artigos estão as celebridades do meio artísticos, enquanto se posicionam contra eles os teóricos da democracia, os escritores e as pessoas de imprensa, os memorialistas, os historiadores, notadamente os escritores de não-ficção especializados em produzir biografias.


Os mais festejados artistas da música popular, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Djavan, dentre outros, criaram a Associação Procure Saber, em nome da qual foram a Brasília no mês passado fazer lóbi junto a autoridades federais, inclusive a Presidente da República Dilma Rousseff, na defesa de seus direitos autorais – e dos referidos artigos do Código Civil, que reprimem o direito de expressão.

A discussão está posta, e a meu sentir o maior complicador é que ambas as partes têm razão: não é justo que qualquer um possa publicar o que bem queira sobre quem quer que seja, com fins econômicos, políticos, ou meramente editoriais – e ação judicial posterior, para puni-lo por eventual calúnia, injúria ou difamação, não pode reverter os danos morais que tenham sido perpetrados; por outro lado, a Constituição Federal não permite que se possa calar a imprensa e tolher a liberdade de expressão, sob qualquer razão ou argumento – e isso é cláusula pétrea da República, do Estado de Direito e do regime democrático.

Então, a solução desse dilema requer a aplicação do “Equilíbrio de Nash”, entrevisto na “Teoria dos Jogos”, que implica uma estratégia composta pelos interesses de ambos os polos em conflito, de modo que ambas as partes tenham o interesse preservado, ou, pelo menos, ambos tenham o prejuízo reduzido.

Para tanto penso, argumentando de lege ferenda (de como deveria ser a lei), que o ideal seria impor que todo aquele que pretenda escrever sobre a vida pregressa de alguém tenha de procurar essa pessoa antes (ou os seus sucessores, em se tratando de falecido), na forma e em prazo legal determinado, para lhe dar ciência do teor de seu trabalho, apresentando-lhe os originais para leitura.

Nessa hipótese, se o protagonista dos fatos retratados, ou o biografado (ou quem o represente), concordar com os termos da narrativa, sua publicação estará automaticamente autorizada.  Caso não concorde, terá o direito de fazer publicar nota por ele assinada, no corpo da obra, apresentando a sua versão pessoal dos fatos pontuais que ele refuta.

Essa medida, se adotada, teria o condão de elidir a possibilidade de mutilação ou proibição da manifestação jornalística ou literária de cunho biográfico – evitando portanto a censura prévia – e, ao mesmo tempo, garantiria o imediato direito de resposta a quem tivesse interesse em proteger a honra ou a memória do referido ou biografado.

Essa conclusão me ocorre no momento em que, por coincidência, nessa questão, tornei-me pedra e vidraça a um só tempo, como a seguir passo a narrar.

Fui recentemente contratado por uma editora para fazer a revisão gramatical de uma obra memorialística, e, por mero acaso, encontrei referência a um de meus avós, que esteve envolvido em escândalo no passado.

Fiz então uma nota ao autor do livro, apresentando os fatos a partir da perspectiva da família, supondo que ele alteraria o próprio texto.  Ele, então, mantendo o que já dizia, incluiu a nota do revisor no final do capítulo, o que me satisfez inteiramente.

Ao mesmo tempo, estou produzindo a biografia de um grande compositor cearense, e recebi dele o pedido de modular algumas das informações que obtive sobre ele. Nada que o artista quisesse esconder sobre si mesmo, nem pretendia ele distorcer fatos ou plantar inverdades.

Conforme me demonstrou – e terminei convencido – pretendia ele proteger a suscetibilidade de terceiros, absolutamente inocentes, que seriam, sem dúvida alguma, atingidos gravemente. Não tive dificuldade nenhuma em suprimir os tais detalhes – tampouco isso prejudicou o meu trabalho.

*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista, Escritor e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

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