AS
BIOGRAFIAS E O EQUILÍBRIO DE NASH
Por Reginaldo Vasconcelos*
O País pega fogo com a discussão em torno dos artigos 20 e 21 do
novo Código Civil, contra os quais se insurgiu a Associação
Nacional dos Editores de Livros – ANEL, que move uma ação no Supremo Tribunal
pedindo seja declarada a inconstitucionalidade desses dois dispositivos legais.
Esses dois artigos do Código
Civil, em vigor desde o ano de 2002, impõem que se obtenha uma autorização
prévia de qualquer pessoa sobre quem se queira falar por qualquer meio gráfico
ou audiovisual – o que caracteriza a odienta “censura prévia”, um dos demônios
que assombram o espírito democrático, e que não encontra respaldo na
Constituição Federal de 1988.
Em favor dos referidos artigos
estão as celebridades do meio artísticos, enquanto se posicionam contra eles os
teóricos da democracia, os escritores e as pessoas de imprensa, os
memorialistas, os historiadores, notadamente os escritores de não-ficção
especializados em produzir biografias.
Os mais festejados artistas da
música popular, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Roberto
Carlos e Djavan, dentre outros, criaram a Associação Procure Saber, em nome da
qual foram a Brasília no mês passado fazer lóbi junto a autoridades federais,
inclusive a Presidente da República Dilma Rousseff, na defesa de seus direitos
autorais – e dos referidos artigos do Código Civil, que reprimem o direito de
expressão.
A discussão está posta, e a meu
sentir o maior complicador é que ambas as partes têm razão: não é justo que
qualquer um possa publicar o que bem queira sobre quem quer que seja, com fins
econômicos, políticos, ou meramente editoriais – e ação judicial posterior,
para puni-lo por eventual calúnia, injúria ou difamação, não pode reverter os
danos morais que tenham sido perpetrados; por outro lado, a Constituição
Federal não permite que se possa calar a imprensa e tolher a liberdade de
expressão, sob qualquer razão ou argumento – e isso é cláusula pétrea da
República, do Estado de Direito e do regime democrático.
Então, a solução desse dilema
requer a aplicação do “Equilíbrio de Nash”, entrevisto na “Teoria dos Jogos”,
que implica uma estratégia composta pelos interesses de ambos os polos em conflito, de modo que ambas as partes
tenham o interesse preservado, ou, pelo menos, ambos tenham o prejuízo
reduzido.
Para tanto penso, argumentando de lege ferenda (de como deveria ser a
lei), que o ideal seria impor que todo aquele que pretenda escrever sobre
a vida pregressa de alguém tenha de procurar essa pessoa antes (ou os seus
sucessores, em se tratando de falecido), na forma e em prazo legal determinado,
para lhe dar ciência do teor de seu trabalho, apresentando-lhe os originais
para leitura.
Nessa hipótese, se o protagonista
dos fatos retratados, ou o biografado (ou quem o represente), concordar com os
termos da narrativa, sua publicação estará automaticamente autorizada. Caso não concorde, terá o direito de fazer
publicar nota por ele assinada, no corpo da obra, apresentando a sua versão
pessoal dos fatos pontuais que ele refuta.
Essa medida, se adotada, teria o
condão de elidir a possibilidade de mutilação ou proibição da manifestação
jornalística ou literária de cunho biográfico – evitando portanto a censura
prévia – e, ao mesmo tempo, garantiria o imediato direito de resposta a quem
tivesse interesse em proteger a honra ou a memória do referido ou biografado.
Essa conclusão me ocorre no
momento em que, por coincidência, nessa questão, tornei-me pedra e vidraça a um
só tempo, como a seguir passo a narrar.
Fui recentemente contratado por
uma editora para fazer a revisão gramatical de uma obra memorialística, e, por
mero acaso, encontrei referência a um de meus avós, que esteve envolvido
em escândalo no passado.
Fiz então uma nota ao autor do
livro, apresentando os fatos a partir da perspectiva da família, supondo que
ele alteraria o próprio texto. Ele,
então, mantendo o que já dizia, incluiu a nota do revisor no final do capítulo,
o que me satisfez inteiramente.
Ao mesmo tempo, estou produzindo
a biografia de um grande compositor cearense, e recebi dele o pedido de modular
algumas das informações que obtive sobre ele. Nada que o artista quisesse
esconder sobre si mesmo, nem pretendia ele distorcer fatos ou plantar
inverdades.
Conforme me demonstrou – e
terminei convencido – pretendia ele proteger a suscetibilidade de terceiros,
absolutamente inocentes, que seriam, sem dúvida alguma, atingidos gravemente.
Não tive dificuldade nenhuma em suprimir os tais detalhes – tampouco isso
prejudicou o meu trabalho.
*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista, Escritor e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da
ACLJ
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