sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CRÔNICA

CARREGADOR DE MELANCIAS
Por Vianney Mesquita* 


Em enunciado interessante, Rui Esteves RIBEIRO de Almeida COUTO (Santos, 12.03.1898; Paris, 30.05.1963) expressou este pensamento: “Todas as viagens são lindas, mesmo as que fizeres nas ruas do teu bairro. O encanto dependerá do teu estado d’alma”.

Carregadores de Melancias, do piauiense e admirável escritor de Sagandina, Augusto Rocha, encerra, permutatis, permutandis, essa ideia do jornalista e diplomata santista, pois perseverante no seu continuamente alevantado estado de espírito. Não somente pelas jornadas nas vias do seu bairro, mas também pelo Brasil afora – e até pelo Polo Norte – o autor realiza maravilhosos périplos na sua montaria de “aço” (acompanhado de um pugilo de amigos de naipe igual ao seu), dos quais aufere para a literatura deliciosas passagens, contadas com a sedução e o encantamento de quem é senhor da habilidade de narrar.

Com recorrência, expresso a ideia de que não me afiz, de estudo, adiantar lances acerca do que comento para quem ainda não experimentou a ventura de deparar uma obra de qualidade, ou mesmo experienciou o infortúnio de se haver com um escrito medíocre, insosso e desenxabido, a fim de lhe não suprimir o ânimo da leitura.

De efeito, sem dizer do entrecho maquinado, antecipo, entretanto, o fato de que a excursão empreendida por Augusto Rocha, Sáris Pinto e seus companheiros foi daquelas cujos protagonistas, antes de a terem efetivado, poderiam haver concedido audiência ao grandioso Johann Wolfgang Goethe (Frankfurt-Meno, 28.08.1749; Weimar, 22.03.1832), na ideia de que, para se entender que o céu é azul em toda parte, não é preciso percorrer o Mundo.

Vai ter ciência o leitor das jornadas de um quase padecimento dos excursores motociclistas, ao arrostarem dificuldades de muitas sortes, com raros ou nenhum momento de aprazimento e júbilo, circunstâncias demarcatórias do status de uma boa viagem de férias.

A desventura, porém, costuma representar o trampolim para o gênio, repositório para o homem destro, com estado d’alma alevantado, consoante sugeriu Ribeiro Couto, no início mencionado.

E eis, pois, este escrito narrativo do passeio – longo e remoto – de um grupo em sofrimento de férias, expresso na fecundidade de um Português bem tratado por quem lhe conhece as regras de compor com graça e vigor, da parte de um narrador ilustrado acerca das técnicas e ambages desta língua onde estão contidos “o trom e o silvo da procela”, bem como “o arrolo da saudade e da ternura”. (Bilac).

Augusto Rocha – o qual se acompanhou de Sáris Pinto e demais corajosos viajores – é um “carregador de melancias” de alto padrão comunicacional e literário, no mesmo grau de quem domina a motocicleta e sabe consumir de bom grado o cansaço físico e absorver o abatimento anímico, para depois, uma vez digeridos, trazer esta peça lítero-narrativa de valor inquestionável, quer sob o espectro da contagem da história ou no referente a tornear com exatidão e minudente grau de detalhamento.

Mais um livro de qualidade aufere a historiografia motociclística brasileira, com o sinete de um produtor sazonado na constância de suas viagens e no exercício de sua pena, transmudada, por enquanto, no teclado do computador.

Isto significa regozijo no Ceará culto e gáudio para o Brasil ilustrado.

Fortaleza, 25 de outubro de 2013.

*Vianney Mesquita
(Docente da UFC, jornalista e escritor.
Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo).


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