A MOSCA AZUL
Jovens
protagonistas, radicais, desafiavam a tudo e a todos. Mostravam-se ferrenhos
opositores do ancien régime, mas a névoa do tempo esgarçou seus ideais
e, como num passe de mágica, eles aprenderam a ladinice de como usurpar os
benefícios oriundos da sofrida República. Conciliados os interesses pessoais,
embotou-se o passado que se dizia “de lutas”.
Sob as benesses
palacianas, no entra e sai de governos, converteram-se em fiéis cortesãos dos
poderosos. Não largaram o osso, as convicções sim! De bolchevistas passaram a
bem-sucedidos homens de negócios. Com poucas exceções, muitos continuaram a
honrar os seus princípios e ideais, e a lutar por eles.
As manifestações
de agora expressam a indignação cidadã, um basta à violência, à corrupção e à
impunidade. Ora, se os partidos políticos silenciam sobre tais pechas
sociopolíticas, essas manifestações constituem um eloquente sinal democrático,
fiador da força soberana e da liberdade moral da nação.
É importante que
a defesa dessas posições afaste os infiltradores; ingenuidade seria não admitir
os quintas-colunas que as toldam mediante vandalismo, danificando os
patrimônios público e privado. Com efeito, é legítimo o protesto social, e à
polícia cabe acompanhá-lo, a fim de conter os excessos.
Que a militância
não vislumbre o propósito de tirar proveito da situação, levando-se por
ambições pessoais desmedidas. Carlos Heitor Cony, em entrevista à Folha de São
Paulo (16.09.12), mesmo sem foto para provar, relatou, com todas as letras, que
“o próprio Lula desfilou numa daquelas marchas da família, em São Paulo”, “no
pré-1964”, clamando pela intervenção militar no governo.
Ao contrário do
que se diz, o poder não modifica, põe à mostra o recôndito do
caráter de certas pessoas. Machado de Assis, no poema “A Mosca Azul”, bem o
explica, pois narra a história de um carpinteiro que foi fascinado pelo inseto
ao encontrá-lo por acaso. Tomado de soberba, perdeu a humildade e a simpatia e
passou a julgar-se todo-poderoso. Possuído pela curiosidade, quis desvelar o
enigma da “mosca azul”; após tê-la dissecado, viu tratar-se de inseto nojento e
fétido.
Aliás, nem
sempre as coisas são o que parecem; daí o contraponto com a essência da
verdade. Por isso, aqueles tocados por sua beleza contagiam-se pelo vírus da
fraqueza humana e perdem o senso crítico.
A inexistência
da bela mosca também demonstra que o poder não é eterno. E mercê da internet,
as fronteiras da democracia abrem-se à cidadania, a fim de que se coíba o mau
uso do dinheiro público. Por isso, vem tirando o sono de muita gente no país
tropical.
Nenhum comentário:
Postar um comentário