terça-feira, 18 de outubro de 2016

CRÔNICA - Neguim (TL)


NEGUIM
Totonho Laprovitera*


Eu não sei o nome do Neguim, mas sei da sua peleja diária para escapar neste mundo tão apinhado de diferenças e descaso ao próximo.

Sempre com o bom humor em dia, enquanto pastora e lava os carros estacionados, Neguim passa suas horas cantando e saudando os passantes. Com o sorriso escancarado, é uma figura partícipe da paisagem urbana da rua onde moro.

Toda vez que vou à padaria, eu o convido para merendar e digo pra ele escolher o que quiser. Aí, cheio de moral, com ar de desforra, ele entra no recinto e pede ao balconista: “Fuleragem, bota aí o maior folheado e me dê uma Coca de 600, que a conta é do meu patrão!”.

Quando chega o final de ano, lembrando do ensinamento de “o que nos sobra não nos pertence”, costumo separar umas roupas para o Neguim.

– Ei, Neguim, quer uma camisa?!

– Ôpa, é nóis! Quero!

– Mas, só se você disser quem é “o cara”! Instigo.

– Esse cara é você! Responde, cantarolando a música do Rei.

–  Neguim, será que vai dar no seu tamanho?

– Se não der, a gente dá um jeito!

– Neguim, e qual é o número do seu pé?

– De 37 a 43!

–  Pois, pegue!

– Ei, meu patrãozinho, e um dinheirim?

–  Neguim, vá se lascar, vá...

Aí, ele dá aquela gargalhada, sai todo satisfeito, feliz da vida, e eu penso como custa pouco pra gente alegrar o coração das pessoas.


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