quarta-feira, 19 de outubro de 2016

ARTIGO - Tempos Estranhos (AS)


TEMPOS ESTRANHOS”
Arnaldo Santos*


Assim se pronunciou o Ministro Marco Aurélio Melo ao momento que vivemos, ao encaminhar seu voto contra a prisão de condenados em segunda instância, aprovada pelo STF, na última semana.

É realmente muito estranho que delinquentes ricos, mesmo depois da culpa formada e materializada nos autos, muita vez réus confessos, por poderem pagar somas milionárias a bons advogados (é por isso que esses também são contra), continuassem respondendo em liberdade. Mais estranho ainda é saber que, aos serem presos, esses poderosos mandam construir ou reformar suas celas para cumprir suas penas com o conforto, que não é concedido aos presos "comuns", discriminados pela pobreza de pela origem racial.

É igualmente estranho observarmos o envolvimento de integrantes do Poder Judiciário, em seus vários níveis, em escândalos de corrupção, como a venda de sentenças e outros delitos, mancomunados com advogados aéticos, a exemplo do que ocorreu recentemente no Estado do Ceará. Não menos estranhas são as denúncias contra Ministros do TCU e da CGU, citados na Operação Lava Jato da Polícia Federal. 
 
O Ministro Marco Aurélio tem razão em estranhar esses tempos que estamos vivendo; senão vejamos: um princípio universal do Direito reza que quem investiga não processa, e quem processa não pode julgar. Entretanto, na Operação Lava Jato, com todos os méritos que se lhe possam atribuir – e são muitos – o que observamos nesses "tempos estranhos" é a Polícia, o Ministério Público e um magistrado federal trabalhando em uma espécie de “força tarefa”, produzindo espetáculos midiáticos como nunca dantes neste País.

Ainda corroborando com a definição do Ministro, que chamou de "tempos estranhos" o momento vivido, um rápido olhar sobre o resultado das últimas eleições nos apresenta outros fatos que causam ainda maiores estranhezas.

O mais visível deles, muito comentado pela imprensa, talvez tenha sido o altíssimo índice de abstenção (17,5%). Em todo o País, mais de 25 milhões de eleitores não compareceram para votar, segundo o TSE. Em nove cidades de Minas Gerais, esse índice superou os 30%. Na pratica, é como se o eleitor tivesse tornado facultativo o voto, que ainda é obrigatório. Os políticos e a imprensa ainda vão levar um tempo para entender o porquê dessa abstenção tão alta, e estão se perguntando quais as razões.

Como observador privilegiado, e tendo como referência o legado construído pela elite política nas duas últimas décadas, proponho inverter o esforço para entender as razões do não comparecimento do eleitor, perguntando: o que ainda motiva o cidadão a sair de casa para votar? Afinal, esse é um custo muito alto para o cidadão quando se leva em conta tudo que o estado brasileiro gasta com uma eleição (dinheiro do contribuinte), para pouco resultado prático na vida das pessoas.

Outro fato ainda mais estranho foi a eleição de alguns candidatos com um discurso antipolítico, como foi o caso do candidato a prefeito de São Paulo, pelo PSDB. A eleição de um prefeito para a mais importante cidade do País, com um discurso impositivo, de privatização, de aumento de velocidade em vias urbanas, com os índices de mortes no trânsito que se têm nas grandes cidades, se apresentando como não político, é um indicativo de que a sociedade já exauriu parte das suas expectativas no modelo vigente, constituído das velhas praticas políticas.

Estranho seria não se estranhar com tudo isso!


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