terça-feira, 11 de outubro de 2016

ARTIGO - Quando Erramos Tentando Acertar (RMR)


QUANDO ERRAMOS
TENTANDO ACERTAR
Rui Martinho Rodrigues*


É certo que somos o único país do mundo com quatro instâncias no Judiciário, fato contrário à “razoável duração do processo”, que a Constituição recomenda. Na prática forense temos o uso abusivo de recursos, identificável como litigância de má-fé, procrastinando o feito. Processos intermináveis desmoralizam Poder Judiciário e induzem à impunidade, pela via da prescrição da pretensão punitiva.

Tudo isso precisa ser corrigido. É certo fazê-lo. Mas não por quaisquer meios. Seria desvio da finalidade do garantismo penal preservar tais vícios. É um atentado à segurança jurídica e à democracia, todavia, fazê-lo atabalhoadamente.

O Judiciário não deve usurpar a função legislativa, para não ferir a separação dos Poderes. Este Poder não tem representatividade para tanto. Normas escritas não devem ser reduzidas a nada pelos pretores, perdendo o significado óbvio da literalidade do texto, para que os cidadãos não fiquem sem leis.

A “nova hermenêutica constitucional” e a “interpretação conforme” não podem substituir o governo das leis pelo governo dos homens togados sem ferir de morte a democracia, porque este é o governo das leis, não dos homens, quer sejam eles togados ou fardados, porque se as leis escritas não têm um significado discernível aos cidadãos não existe segurança jurídica. Sem esta não subsiste nenhum Direito nem democracia.
A CF/88 manda que a presunção de inocência dure até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Isso precisa prevalecer.

A existência de normas escritas só tem sentido se o significado delas for inteligível para os cidadãos alfabetizados. Não é preciso sacrificar o significado do texto constitucional; nem as garantias dos cidadãos; nem o STF precisa usurpar a função legislativa para corrigir os vícios da prática forense.

O significado do texto constitucional não deve ficar restrito à magia dos magos do STF, capazes de retirar dos textos significados inimagináveis a um professor de língua portuguesa. Seria suficiente se os tribunais julgassem com o devido rigor o juízo sumário de admissibilidade dos recursos, rejeitando aqueles de natureza procrastinatória; que tais recursos fossem considerados litigância de má-fé e fossem severamente sancionados. Tais medidas já teriam um grande alcance.

Restaria ao Legislativo reconsiderar as possibilidades recursais.

O projeto encaminhado pelo ministro Cezar Peluso, quando presidente do STF, fazendo uso da prerrogativa constitucional de iniciativa legislativa daquela Casa em seu campo específico, encaminhou projeto de reforma do Código do Processo Civil que dorme no Congresso, sem apoio da sociedade. Igual medida poderia ser adotada com relação ao Código do Processo penal se tivesse o apoio aludido.

A sociedade, equivocadamente, prefere apoiar a vontade de potência dos supremos ministros, a usurpação da função legislativa por parte daquela Corte, seja pela força da mentalidade totalitária, seja por casuísmo, instrumentalizando inocentes úteis envaidecidos,que fazem pose de aprendizes de feiticeiros do Direito desorientando a opinião pública.

Outras medidas poderiam ser consideradas no âmbito de uma reforma constitucional.




COMENTÁRIO:

O sábio Rui Martinho nota em seu primoroso artigo que o Supremo Tribunal Federal atropelou a dicção constitucional, ao autorizar o início do cumprimento da pena de prisão que tenha sido confirmada em segunda instância – portanto antes do “transito em julgado” da condenação – o que somente se daria quando não houvesse mais possibilidade de recurso no horizonte jurídico nacional.

Mas o que fez o Supremo foi passar a considerar que o trânsito em julgado se completa nos tribunais de recursos, sendo o apelo aos chamados “tribunais superiores” uma medida excepcional, uma mera aventura jurídica, sem o condão do efeito suspensivo para obstar a condenação.

Assim, uma vez condenado no primeiro grau, e tendo sido a sentença confirmada por um colegiado de segunda instância, a não culpabilidade até ali considerada deixa de ser a presunção absoluta que recomenda a Lei Maior.

Essa nova interpretação da norma tem vários efeitos positivos. O primeiro deles seria evitar que advogados de defesa mantenham em liberdade por anos os réus, mesmo quando confessos, mesmo já condenados por duas instâncias da Justiça, utilizando toda a gama de recursos possíveis perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal. Segundo é a valorização dos decinsun de juízos singulares e dos tribunas de recursos. O outro efeito desejável é a redução de suplicações protelatórias a estes superiores tribunais, que já têm muito trabalho sério a executar.

Contra essa novidade há muita gente, inclusive o nosso Professor Rui, havendo a favor dela dois fortes argumentos. Primeiro, o de que nenhum país do mundo além do Brasil faz da segunda instância da Justiça um grande périplo recursal que ocasiona a impunidade. Segundo, o fato de que no âmbito do processo civil resta ainda a possibilidade de aforamento de ação rescisória para, em casos raros, desconstituir a sentença transitada em julgado, no prazo de dois anos.

Reginaldo Vasconcelos.           

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