TENTANDO ACERTAR
Rui Martinho Rodrigues*
É certo que somos o único país do
mundo com quatro instâncias no Judiciário, fato contrário à “razoável duração
do processo”, que a Constituição recomenda. Na prática forense temos o uso
abusivo de recursos, identificável como litigância de má-fé, procrastinando o
feito. Processos intermináveis desmoralizam Poder Judiciário e induzem à
impunidade, pela via da prescrição da pretensão punitiva.
Tudo isso precisa ser corrigido. É
certo fazê-lo. Mas não por quaisquer meios. Seria desvio da finalidade do garantismo
penal preservar tais vícios. É um atentado à segurança jurídica e à democracia,
todavia, fazê-lo atabalhoadamente.
O Judiciário não deve usurpar a função
legislativa, para não ferir a separação dos Poderes. Este Poder não tem
representatividade para tanto. Normas escritas não devem ser reduzidas a nada
pelos pretores, perdendo o significado óbvio da literalidade do texto, para que
os cidadãos não fiquem sem leis.
A “nova hermenêutica constitucional” e
a “interpretação conforme” não podem substituir o governo das leis pelo governo
dos homens togados sem ferir de morte a democracia, porque este é o governo das
leis, não dos homens, quer sejam eles togados ou fardados, porque se as leis
escritas não têm um significado discernível aos cidadãos não existe segurança
jurídica. Sem esta não subsiste nenhum Direito nem democracia.
A CF/88 manda que a presunção de
inocência dure até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Isso precisa
prevalecer.
A existência de normas escritas só tem
sentido se o significado delas for inteligível para os cidadãos alfabetizados.
Não é preciso sacrificar o significado do texto constitucional; nem as
garantias dos cidadãos; nem o STF precisa usurpar a função legislativa para
corrigir os vícios da prática forense.
O significado do texto constitucional
não deve ficar restrito à magia dos magos do STF, capazes de retirar dos textos
significados inimagináveis a um professor de língua portuguesa. Seria
suficiente se os tribunais julgassem com o devido rigor o juízo sumário de
admissibilidade dos recursos, rejeitando aqueles de natureza procrastinatória;
que tais recursos fossem considerados litigância de má-fé e fossem severamente
sancionados. Tais medidas já teriam um grande alcance.
Restaria ao Legislativo reconsiderar
as possibilidades recursais.
O projeto encaminhado pelo ministro
Cezar Peluso, quando presidente do STF, fazendo uso da prerrogativa
constitucional de iniciativa legislativa daquela Casa em seu campo específico,
encaminhou projeto de reforma do Código do Processo Civil que dorme no
Congresso, sem apoio da sociedade. Igual medida poderia ser adotada com relação
ao Código do Processo penal se tivesse o apoio aludido.
A sociedade, equivocadamente, prefere
apoiar a vontade de potência dos supremos ministros, a usurpação da função
legislativa por parte daquela Corte, seja pela força da mentalidade
totalitária, seja por casuísmo, instrumentalizando inocentes úteis envaidecidos,que
fazem pose de aprendizes de feiticeiros do Direito desorientando a opinião
pública.
Outras medidas poderiam ser
consideradas no âmbito de uma reforma constitucional.
COMENTÁRIO:
O
sábio Rui Martinho nota em seu primoroso artigo que o Supremo Tribunal Federal
atropelou a dicção constitucional, ao autorizar o início do cumprimento da pena
de prisão que tenha sido confirmada em segunda instância – portanto antes do “transito
em julgado” da condenação – o que somente se daria quando não houvesse mais
possibilidade de recurso no horizonte jurídico nacional.
Mas
o que fez o Supremo foi passar a considerar que o trânsito em julgado se
completa nos tribunais de recursos, sendo o apelo aos chamados “tribunais
superiores” uma medida excepcional, uma mera aventura jurídica, sem o condão do
efeito suspensivo para obstar a condenação.
Assim,
uma vez condenado no primeiro grau, e tendo sido a sentença confirmada por um
colegiado de segunda instância, a não culpabilidade até ali considerada deixa
de ser a presunção absoluta que recomenda a Lei Maior.
Essa
nova interpretação da norma tem vários efeitos positivos. O primeiro deles seria
evitar que advogados de defesa mantenham em liberdade por anos os réus, mesmo
quando confessos, mesmo já condenados por duas instâncias da Justiça,
utilizando toda a gama de recursos possíveis perante o Superior Tribunal de
Justiça e o Supremo Tribunal. Segundo é a valorização dos decinsun de juízos singulares e dos tribunas de recursos. O outro
efeito desejável é a redução de suplicações protelatórias a estes superiores
tribunais, que já têm muito trabalho sério a executar.
Contra
essa novidade há muita gente, inclusive o nosso Professor Rui, havendo a favor dela
dois fortes argumentos. Primeiro, o de que nenhum país do mundo além do Brasil faz
da segunda instância da Justiça um grande périplo recursal que ocasiona a
impunidade. Segundo, o fato de que no âmbito do processo civil resta ainda a
possibilidade de aforamento de ação rescisória para, em casos raros, desconstituir
a sentença transitada em julgado, no prazo de dois anos.
Reginaldo
Vasconcelos.
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