Folhas Mortas
Inspirações em Versos
Ecléticos (III)
Vianney Mesquita*
Nem o mármore, nem os monumentos dourados dos príncipes
hão de sobreviver a estes poderosos versos. (William SHAKESPEARE).
4 DOMÍNIOS DA TEORIA DO VERSO
Dos muitos
pontos a evidenciar na obra vasquesfilhiana, registam-se conhecimento e domínio
dos sistemas do verso, este tão bem configurado pelo tratadista brasileiro
Rafael Sânzio de Azevedo, no clássico Para
uma Teoria do Verso (AZEVEDO, 1997).
No trabalho sob comentário – Folhas Mortas – Santiago Vasques Filho exercita, com estética bem
rara, os redondilhos maiores, em Meus
versos, por exemplo, recursos heptassilábicos empregados, ainda, noutras
inspirações da obra:
Ide meus
versos, falenas
Buscando a luz
na amplidão,
Nestas auroras
serenas
Que beijam
rosas no chão;
Voai do régio
regaço
Para bem longe
espalhardes
Toda a tristeza
do espaço
Ante a tristeza
das tardes.
Vai, no espaço,
ligeiros,
Levando as
rimas que teço,
Cantando motes
brejeiros
Enquanto triste
adormeço.
Ide, meus
versos, levando,
Levando a quem
não recusa,
Os sonhos que
vou sonhando
Nos braços da
minha musa.
Em Folhas
Mortas, o Poeta também emprega os sonetos decassilábicos, oriundos da
Provença antiga, cuja poesia foi imitada em toda a Europa civilizada.
Não custa informar o fato de que o soneto (em
provençal, sonet) foi cultivado por
nomes famosos da literatura pré-humanista, durante a Renascença e após este
resplandecente período histórico.
Experimentou longos lapsos de transformação,
constituindo importante fato a determinação de um modelo fixo, conciso e
agradável, promovido por um grupo de versejadores da Sicília, liderado por
Tiago de Leôncio, ou Jacopo da Lentini (Lentini – a antiga Leôncio).
Este conjunto de poetas, a que Dante chamou de Escola
Siciliana, na obra A Eloquência Vulgar, reunia-se
em torno do Imperador Frederico II, de Hohenstauffen (1194-1250), espécie de
mecenas, o qual tinha por secretário o poeta Pedro de Vigne – suicida no
inferno, da Divina Comédia – constituído, dentre outros, por Cielo
d’Alcomo, Tiago de Leôncio, Ruggiero Apugliese e Giaccomo Pugliese, todos
cultores do soneto.
Francesco Petrarca (1304-1374) utilizou-se de sua
fórmula para cantar, nas Rimas, seus
amores a Laura de Noves, a bela esposa de Hugo de Sade, por quem se apaixonou à
primeira vista.
Da Itália, Francisco Sá de Miranda – 1481-1558 (irmão
de Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil) – levou o soneto para
Portugal na primeira banda do Seiscentos. O soneto possui, hoje, quatro
esquemas básicos de acentuação, conforme divisão procedida por Azevedo (1997,
p. 67), o qual reconhece outros delineamentos, cada qual com suas variantes.
A regeneração dos padrões fixos da grade do soneto,
certamente aqui operada com a ajuda da chamada Geração 45 – à qual pertencia, por exemplo e entre outros, o poeta
e professor da Universidade Federal do Ceará Otacílio dos Santos Colares
(1918-1988) – surtiu efeitos em poetas mais novos, como Vasques Filho, em cuja
poesia a grade preferida é a do soneto.
Este estalão de rima, uma vez recobrado o prestígio depois
das grandes fulgurações do Modernismo, fundamentalmente demarcado pela Semana
de fevereiro de 1922, tem nas medidas decassilábicas relevante suporte da
poesia nacional, depois do hiato originado da praga a que se referiu Sânzio de
Azevedo, motivo por que o soneto foi quase expulso da literatura brasileira,
“[...] a ponto de, em 1936, a coletânea A
Nova Literatura Brasileira, de Andrade Murici, não abrigar um só desses
poemas de forma fixa.” (1985-102).
Numa prova de que conhece os meandros do metro, Vasques
Filho emprega, dentre outras aplicações na sua poética, o verso heroico, muito bem configurado pelo
Prof. Dr. Sânzio de Azevedo, com ictos na sexta e décima sílabas, basicamente.
Pelas foscas janelas
penetrando
610 (Vasques Filho, em Protogênese)
No turbilhão
das épocas passadas
04 6 10 (Idem, com variação de ictos)
É
como em Velha História, de Arthur de
Azevedo:
Tertuliano,
frívolo, peralta,
4 6 10
Que foi um
paspalhão desde fedelho
Tipo incapaz de
ouvir um bom conselho,
Tipo que morto
não faria falta.
Lá um dia
deixou de andar à malta
E, indo à casa
do pai, honrado velho,
A sós na sala,
em frente a um espelho ,
À própria
imagem disse em voz bem alta:
Tertuliano, és
um rapaz formoso,
És simpático,
és rico, és talentoso,
Que mais no
mundo se te faz preciso?
Penetrando na
sala o pai sisudo,
Que por trás da
cortina ouvira tudo,
Severamente
respondeu: juízo!
Como também ocorre em Augusto dos Anjos, em A um Carneiro Morto:
Misericordiosíssimo
carneiro (...)
6 10
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