domingo, 2 de outubro de 2016

ENSAIO LITERÁRIO - Folhas Mortas III (VM)


Folhas Mortas
Inspirações em Versos Ecléticos (III)
Vianney Mesquita*


Nem o mármore, nem os monumentos dourados dos príncipes hão de sobreviver a estes poderosos versos. (William SHAKESPEARE).

4 DOMÍNIOS DA TEORIA DO VERSO

  Dos muitos pontos a evidenciar na obra vasquesfilhiana, registam-se conhecimento e domínio dos sistemas do verso, este tão bem configurado pelo tratadista brasileiro Rafael Sânzio de Azevedo, no clássico Para uma Teoria do Verso (AZEVEDO, 1997).

No trabalho sob comentário – Folhas Mortas – Santiago Vasques Filho exercita, com estética bem rara, os redondilhos maiores, em Meus versos, por exemplo, recursos heptassilábicos empregados, ainda, noutras inspirações da obra:
       
Ide meus versos, falenas
Buscando a luz na amplidão,
Nestas auroras serenas
Que beijam rosas no chão;

Voai do régio regaço
Para bem longe espalhardes
Toda a tristeza do espaço
Ante a tristeza das tardes.

Vai, no espaço, ligeiros,
Levando as rimas que teço,
Cantando motes brejeiros
Enquanto triste adormeço.

Ide, meus versos, levando,
Levando a quem não recusa,
Os sonhos que vou sonhando
Nos braços da minha musa.

       
Em Folhas Mortas, o Poeta também emprega os sonetos decassilábicos, oriundos da Provença antiga, cuja poesia foi imitada em toda a Europa civilizada.
 
Não custa informar o fato de que o soneto (em provençal, sonet) foi cultivado por nomes famosos da literatura pré-humanista, durante a Renascença e após este resplandecente período histórico.

Experimentou longos lapsos de transformação, constituindo importante fato a determinação de um modelo fixo, conciso e agradável, promovido por um grupo de versejadores da Sicília, liderado por Tiago de Leôncio, ou Jacopo da Lentini (Lentini – a antiga Leôncio).

Este conjunto de poetas, a que Dante chamou de Escola Siciliana, na obra A Eloquência Vulgar, reunia-se em torno do Imperador Frederico II, de Hohenstauffen (1194-1250), espécie de mecenas, o qual tinha por secretário o poeta Pedro de Vigne – suicida no inferno, da Divina Comédia constituído, dentre outros, por Cielo d’Alcomo, Tiago de Leôncio, Ruggiero Apugliese e Giaccomo Pugliese, todos cultores do soneto.

Francesco Petrarca (1304-1374) utilizou-se de sua fórmula para cantar, nas Rimas, seus amores a Laura de Noves, a bela esposa de Hugo de Sade, por quem se apaixonou à primeira vista.

Da Itália, Francisco Sá de Miranda – 1481-1558 (irmão de Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil) – levou o soneto para Portugal na primeira banda do Seiscentos. O soneto possui, hoje, quatro esquemas básicos de acentuação, conforme divisão procedida por Azevedo (1997, p. 67), o qual reconhece outros delineamentos, cada qual com suas variantes.

A regeneração dos padrões fixos da grade do soneto, certamente aqui operada com a ajuda da chamada Geração 45 – à qual pertencia, por exemplo e entre outros, o poeta e professor da Universidade Federal do Ceará Otacílio dos Santos Colares (1918-1988) – surtiu efeitos em poetas mais novos, como Vasques Filho, em cuja poesia a grade preferida é a do soneto.

Este estalão de rima, uma vez recobrado o prestígio depois das grandes fulgurações do Modernismo, fundamentalmente demarcado pela Semana de fevereiro de 1922, tem nas medidas decassilábicas relevante suporte da poesia nacional, depois do hiato originado da praga a que se referiu Sânzio de Azevedo, motivo por que o soneto foi quase expulso da literatura brasileira, “[...] a ponto de, em 1936, a coletânea A Nova Literatura Brasileira, de Andrade Murici, não abrigar um só desses poemas de forma fixa.” (1985-102).

Numa prova de que conhece os meandros do metro, Vasques Filho emprega, dentre outras aplicações na sua poética, o verso heroico, muito bem configurado pelo Prof. Dr. Sânzio de Azevedo, com ictos na sexta e décima sílabas, basicamente.

Pelas foscas janelas penetrando
610 (Vasques Filho, em Protogênese)

No turbilhão das épocas passadas
04 6 10 (Idem, com variação de ictos)

É como em Velha História, de Arthur de Azevedo:

Tertuliano, frívolo, peralta,
4 6 10
Que foi um paspalhão desde fedelho
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que morto não faria falta.

Lá um dia deixou de andar à malta
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, em frente a um espelho      ,
À própria imagem disse em voz bem alta:

Tertuliano, és um rapaz formoso,
És simpático, és rico, és talentoso,
Que mais no mundo se te faz preciso?

Penetrando na sala o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: juízo!

Como também ocorre em Augusto dos Anjos, em A um Carneiro Morto:

Misericordiosíssimo carneiro (...)
6 10



(Continua no Módulo IV).


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