Inspirações em Versos
Ecléticos
(IV- Final)
Vianney Mesquita*
A poesia não tem presente: é esperança ou saudade. (Camilo Castello Branco).
Em
Para uma Teoria do Verso, Azevedo (passim) destaca os versos do sistema sáfico (basicamente com ictos na quarta
e na décima sílabas), ibéricos ou de arte maior (quinta e décima) e provençal ou de gaita galega (acentos na quarta, sétima e décima sílabas), sendo
que os heróicos e sáficos são praticados pelo nosso autor
- Santiago Vasques Filho – com ou sem variações.
De
hendecassilábicos – ou versos de arte
maior – também é feito Folhas Mortas,
em alguns desses esquemas, como no misto iâmbico-anapéstico,
com um iambo e três anapestos (iambo, sem cogitar na violenta sátira
francesa em alexandrinos alternados), no conjunto intitulado Terceiro Tema, sem variação de tônicas,
isto é, com acentuação fixa nas segundas, quintas, oitavas e undécimas sílabas:
Não julgo que viesses do
Olimpo traçado
Por minhas poesias ou doidas
quimeras,
Nem foi meu amor embebido de
esperas
Capaz de trazer-te e manter-te
ao meu lado.
Talvez uma fuga devesse ao
pecado
De amar-te qual deusa, ao
invés do que eras:
Mulher, só mulher, a trazer
primaveras
Às neves do outono em que fui
mergulhado.
Bem sei que ninguém pode
dar-me o que deste,
Nem pode negar-te tal qual o
fizeste
No instante que dizes a vida
recua...
Se voltas agora, e os meus
beijos preferes,
Verás que não tive, das outras
mulheres,
O amor que me deste ao
dizeres: sou tua! ...
(VASQUES FILHO)
Dodecassilábicos
alexandrinos compõem, ainda, a poesia de Vasques Filho, mormente no esquema clássico ou francês, de que se utilizaram Olavo Bilac, Raimundo Correia,
Alberto de Oliveira, Francisca Júlia, Vicente de Carvalho e outros parnasianos
patriais e de França, ocorrente com este verso de Os Cisnes, do canindeense Cruz Filho, reproduzido em versão
francesa pelo poeta Henri Allorge (1878-1938) – Ao longo do juncal que
implexo e denso avança, com
ictos na sexta e na décima segunda sílabas, semelhantes à seguinte estrofe,
inserta em Folhas Mortas:
História de um Felá
Milhares de felás, centenas de milhares
Jungidos, sol a sol, um
séquito precito,
De martelo na mão vão cortando
o gravito,
Dando à pedra, ao cinzel,
formas retangulares.
(VASQUES FILHO).
5.1
DOMÍNIO DA LÍNGUA E DA ESCRITA
Estes
são poucos exemplos, apenas com escopo testemunhal, dos recursos aplicados por
Vasques Filho para tessitura da sua belíssima poesia. Seria fastidioso enumerar
todos os casos, a não ser de estudo, em apreciação para defesa acadêmica, exempli gratia.
Não
custa, todavia, exprimir novamente a ideia de que seus versos são ricos de
inspiração, do mais encerrado d’alma, opulentos nas modalidades que tomaram,
mercê do domínio que o Autor detém a respeito das maneiras consagradas de
versificar, dos expedientes vernaculísticos empregados, por via de grande
quantidade de estratégias estilísticas e manifestações indiretas, mediante
figuras e tropos – metáforas, síncopes, hipérboles, prosopopeias, hipérbatos,
eufemismos, aliterações – e tudo de que a Língua dispõe para demonstração
estética dos gêneros distribuídos na sua produção.
Sem
pretender enfarar o leitor, chamo atenção para o variegado uso de versos,
estrofes, rimas e poemas – baladas, ditirambos, églogas, nênias et reliqua – no curso de todo o seu
metro, a este emprestando saber de erudição e agrado, na língua, no
conhecimento como um todo e na revelação da sua admiranda escolaridade métrica.
Em
Para uma Escrava (que Pertenceu a
Dario) – 6 – parte do Cancioneiro de
Alexandre, Vasques Filho recorre, por exemplo, a estrofes trísticas (pouco
comuns) para compor alguns poemas, sendo que os quatro conjuntos trísticos
(mais popularmente conhecidos como tercetos) não configuram a grade petrarquiana
do soneto, confeiçoado com dois quartetos e dois trísticos:
Melhor que saiba logo sátrapa
covarde,
Julgando-me agradar, deu asilo
a Dario,
E, pérfido, depois, mandou
matá-lo à tarde...
E eu que sempre puni quem usa
tais processos
Pois que abomino o crime, o
assassinato frio,
Mandei trazer-lhe o corpo e
fiz prender a Bessus!
... Agora vai, mulher, chorar
o teu rei morto!
Que as lágrimas de dor te
sirvam de conforto,
Que o rei não merecia esse
amor acendrado!
Quando teu rei baixar ao seu
jazigo,
Liberta, escolherá se queres
vir comigo
Ou ficar para sempre a chorar
o passado!
Relativamente
ao emprego de tropos, Vasques Filho praticou, no poema representado pela
estância sequente, entre outros recursos figurais, a exagerada modalidade
aliterante [exercitada por João da Cruz e Sousa (1861-1898) e, bem mais
recuadamente, por Garcia de Resende (1470? – 1536), no Cancioneiro Geral], de lata aplicação, hoje, na poesia-processo, em
diversas tendências das composições concretistas, como, por exemplo, em Pedro
Henrique Saraiva Leão, Rogério Bessa e José Alcides Pinto.
Quiçá
tenha sido homenagem àqueles mestres de ontem e de anteontem. Eis os versos
aliterantes:
Verdes vales, vergéis,
vinhedos, veigas, vargas,
Veredas vicinais de vedras
vilas vimos,
Da velha Média empós de
cavalgadas largas,
semelhantes a
Forte, fiel, façanhoso
Fazendo feitos famosos.
(GARCIA DE RESENDE)
e
Vozes veladas, veludosas
vozes.
(CRUZ E SOUSA).
Cumpre-me
evidenciar, por fim, o escorreito português do Poeta, em cujo estilo elegante
tece a obra, o que demonstra, à saciedade, haver sido uma pessoa ilustrada e
profundamente respeitosa à norma culta, fato difícil de ser observado
atualmente, quando se empregam, ab hoc et
ab hac, os neologismos de malformação, a frase feita, chavões e outros dislates,
que tanto subtraem o valor de autores e escritos, quanto concedem
prosseguimento à mesmice das elocuções.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO,
Sânzio de. O Soneto Moderno. In: Poesia de todo o Tempo. Fortaleza:
Edições Clã, 1970, pp. 63-68.
AZEVEDO,
Sânzio de. Dez Ensaios de Literatura
Cearense. Fortaleza: Edições UFC, 1985. 132 p.
AZEVEDO,
Sânzio. Para uma Teoria do Verso.
Fortaleza: Edições UFC, 1997. 228 p.
BARRETO,
J. Anchieta E.; MESQUITA, Vianney. A Escrita
Acadêmica – Acertos e Desacertos. Fortaleza: Casa de José de Alencar –
Universidade Federal do Ceará, 1998, 200p.
GIRÃO,
Raimundo: SOUSA, Maria da Conceição. Dicionário
da Literatura Cearense. Fortaleza: Imprensa Oficial do Estado do Ceará,
1987. 234p.
LYRA,
Pedro. Utiludismo – a Socialidade da
Arte. 2.ed. Fortaleza: Edições UFC, 1982.
MESQUITA,
Vianney. Martins Filho e o Poeta da Vila
do Espírito Santo. In: Resgate de
Ideias. Fortaleza: Casa de José de Alencar – UFC, 1996. 192 p.
VASQUES
FILHO, Santiago. Bronzes e Cristais (Poesias).
Fortaleza: Imprensa Oficial do Estado, 1975.
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