DEFORMADORES
DE OPINIÃO
Rui Martinho Rodrigues*
O Tribunal de Justiça de São Paulo
absolveu alguns réus acusados de participação no massacre aludido. Eram
policiais militares, integrantes da força que ocupou o presídio e
indubitavelmente praticou o massacre no qual perderam a vida cento e onze
presos. A força policial não teve nenhuma baixa. O laudo pericial apontou a
existência, nos corpos das vítimas, de lesões sugestivas de execuções. Tudo
isso é corretamente destacado.
O público não entende a absolvição. Formadores
de opinião também não entendem. Os órgãos de comunicação têm comentaristas de
esporte, de economia, de política, de moda, de automobilismo, de arte, do meio
ambiente e de outros temas. Mas falta aos meios de comunicação quem comente
criteriosamente os aspectos jurídicos dos fatos noticiados, apesar de vivermos
uma dramática judicialização da política e das relações sociais, com
publicização do Direito Privado, sob o rótulo de “Direito Civil
Constitucional” – além do noticiário policial de proporções compatíveis com as
dimensões da criminalidade.
Ignorando os meandros do Direito ou
colocando as suas próprias razões acima do ordenamento jurídico pátrio, os
formadores de opinião estão se metamorfoseando em deformadores de opinião. O
Tribunal de Justiça de São Paulo está sendo apedrejado por haver absolvido
alguns réus do execrável massacre do Carandiru. O argumento apresentado como
fundamento da decisão em comento foi o da individualização da pena. Os
deformadores de opinião não entenderam ou não aceitaram o fundamento da
decisão.
Mas qual é o significado do princípio
da individualização da pena? Significa que não se pode condenar em massa, sem
distinguir o grau de participação individual de cada pessoa envolvida em um crime. O exemplo clássico, nas provas de Direito, é o caso em que dois
indivíduos efetuam disparos e um terceiro é atingido. A vítima levou apenas um
tiro. Não se consegue apurar qual dois atiradores atingiu a vítima. A solução
considerada certa nos exames dos concursos e nas provas das universidades é a
absolvição dos dois réus. Não se sabendo qual deles atingiu a vítima nenhum
será considerado culpado, por estarem abrigados sob o princípio da
individualização da pena, obstaculizado, no caso, pela dúvida pertinente a
autoria.
Na ocasião da denúncia a dúvida é
fundamento válido para que seja estabelecido o procedimento processual
criminal. Mas, encerrando o processo, a dúvida exclui a
condenação, conforme os brocardos latinos in dubio pro societate e in
dubio pro reo, respectivamente,
O alarido que se levantou contra a
decisão do TJSP foi reforçado por um desembargador falastrão que, falando fora
dos autos, cometeu o absurdo de negar a existência do massacre. O bom
fundamento da individualização da pena, impedida esta individualização pela
dúvida quanto a autoria individual, foi eclipsado pela declaração infeliz do
desembargador boquirroto, invocando a negativa da
existência material do crime, argumento obviamente pífio.
Juízes estão falando demais, a começar
pelo STF.
COMENTÁRIO:
Juridicamente
falando, o artigo de Rui Martinho Rodrigues sobre o Carandiru é clínico e é cirúrgico.
Ele diz que houve, sim, o massacre. Ponto. Um grave crime coletivo foi
cometido. Ponto.
Quem
diz que não houve, negando a materialidade do crime, é um ponto fora da curva
no gráfico lógico da verdade real. Quem diz que não houve crime celebra no
culto de quem defende que “bandido bom é bandido morto”.
Mas
a absolvição dos policiais pelo Tribunal de Justiça está perfeita, tecnicamente,
porque no caso não se pode precisar quem teria matado quem. Pronto. Sabe-se que
dentre os absolvidos muitos são culpados realmente, mas o problema é que não se
pode saber quem entre todos seria inocente, levando em conta que estes não estavam ali por vontade própria, mas em nome do Estado, no estrito cumprimento do seu dever legal.
A
Justiça pode, eventualmente, cometer impunidade, por desídia ou aporia jurídica,
como acontece neste caso. Mas a Justiça não pode cometer injustiça. Ela prefere
mil culpados absolvidos a um só inocente condenado. E por isso o Tribunal de
Justiça absolveu o grupo inteiro. A dúvida inafastável, para o julgador, é uma fatalidade técnica que o impede de condenar. E ele não pode
fugir da técnica sob pena de cometer arbitrariedades.
Reginaldo
Vasconcelos
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