OS 300 BRAVOS DE ESPARTA
Rui Martinho Rodrigues*
A judicialização da política é uma preocupação legítima. O fenômeno tende à politização do judiciário, desorganizando o sistema de separação das funções dos poderes e o sistema de freios e contrapesos.
Quem defende a assimilação do Estado por um partido, manifesto simbolicamente pela adoção de símbolos de agremiações nas bandeiras nacionais, a exemplo da cruz suástica ou foice e martelo, aprova o aparelhamento das instituições e se esforça para promovê-lo.
Juízes têm preferências políticas. Inevitavelmente têm suas visões de mundo, incluindo concepções políticas. Mas não podem fazer delas o referencial que guie a atividade judicante. Podem até realizar esforço hermenêutico para adequar a literalidade da norma ao que entendem como justo. Mas não podem suprimir a norma simplesmente ignorando-a, substituindo a função judicante pela função legislativa. Seria arbítrio e usurpação da representação política.
O ministro Luís Barroso votou – e foi acompanhado pela maioria dos seus pares – contra o voto secreto para a eleição da comissão da Câmara destinada a emitir parecer sobre o juízo de admissibilidade do pedido de impeachment da Presidente Dilma. Ao fazê-lo suprimiu a leitura de um trecho da norma pertinente, que contraria frontalmente o seu voto.
Malabarismos de hermeneutas podem levar a interpretações surpreendentes. Pior do que tais malabarismos é contrariar a literalidade da norma sem se dar ao trabalho de apresentar a mágica pela qual defendem a inversão do sentido do texto. O Min. Barroso preferiu ignorar a passagem da norma que contraria o seu voto, interrompendo a leitura para ocultar o artigo do Regimento que expressamente manda que as “demais eleições se façam pelo voto secreto”.
O talentoso ministro sabe fazer a mágica da hermenêutica. Sabe formular uma tese segundo a qual dois mais dois somam trinta. Esta omissão sugere que é mais difícil demonstrar que a eleição deveria ser pelo voto aberto do que modificar a matemática, salvo se o caso fosse de total desprezo pela norma, preferindo ignorá-la. Ambas as hipóteses são extremamente graves.
A maioria do STF acompanhou o estranho voto. Seria desconhecimento da norma? Hipótese escandalosa.
Seria por partilhar o entendimento de um Estado subsumido a um partido? Ou haveria outras motivações? Não sei qual a pior das hipóteses.
Trezentos deputados, liderados por Osmar Serraglio, inconformados com o estranho voto, fizeram um manifesto indignado. É a maioria absoluta da Câmara, superando a soma dos três maiores partidos. Não se chegaria a tantos deputados sem a participação expressiva da base parlamentar do governo.
Mas o manifesto de 300 deputados foi quase inteiramente ignorado pela “grande imprensa”, aquela que os grupos ideológicos dizem ser contrária ao messianismo político.
A Associação dos Juízes Federais defendeu o voto esdrúxulo aprovado pelo STF sem argumentar sobre o mérito, sem tentar a mágica dos hermeneutas. Corporativismo? Aparelhamento ideológico? Servilismo? Qual é a pior hipótese?
A comunidade jurídica, os meios políticos e a imprensa, não repercutiram o fato na proporção da gravidade que ele tem.
Como diz o vulgo: “Tá tudo dominado!”.
Porto Alegre, 07/02/16
NOTA DO EDITOR:
NOTA DO EDITOR:
O maior corolário da democracia, o grande apanágio
republicano, é a submissão das decisões de interesse coletivo ao escrutínio
secreto, pelo voto universal de todos os membros regulares da clientela da
específica entidade estatal interessada, diretamente, como nas eleições a
cargos públicos, ou por representação legitimada.
O objetivo do método é possibilitar que o individuo
possa expressar sua opção, de conformidade com a sua livre convicção e sua
consciência, sem se expor a nenhuma pressão externa, seja pela imposição dos
afetos pessoais, seja pelo receio de represálias por parte daqueles aos quais
seu voto desagrade.
Mas a declaração do próprio voto será sempre
facultativa, de modo que compete unicamente ao grupo votante decidir se prefere
a proteção do segredo ou se melhor lhe apraz ou convém que a opção que sufragou
seja publicamente divulgada, quer para firmar sua posição ideológica, quer para
satisfação de seus eleitores, por ele representados.
Portanto, segundo a mais cristalina lógica
jurídica, em qualquer circunstância, a abertura do voto é condição excepcional,
e não compete a ninguém determiná-la, a não ser o universo dos votantes, se e
quando bem lhe convier.
Qualquer medida fora disso se caracteriza como
constrangimento ilegal, cerceamento do livre pensamento, manipulação indevida
do método democrático para direcionar o resultado.
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