sexta-feira, 4 de julho de 2014

CRÔNICA FUTEBOLÍSTICA (RV)

FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE
Reginaldo Vasconcelos*

Sempre que viajo pela região de Itapajé, no norte cearense, procuro adquirir as frutas que se oferecem por ali, já na margem da rodovia, oriundas dos pequenos sítios das Serras de Santana, Santa Luzia e Uruburetama, portanto absolutamente orgânicas, livres dos tratos artificiosos das culturas intensivas.

Passando por lá há algum tempo deparei com a feira-livre armada aos sábados no centro da cidade, e no meio daquele alegre mafuá matuto encontrei uma enorme banca de fitoterápicos – raízes, sementes, cascas, folhagens, pós e méis, infusões e outras beberagens de pretensão medicinal, herança da cultura indígena e dos tempos coloniais, de quando ainda não se isolavam os princípios ativos das plantas para a feitura de remédios.

Depois de perguntar ao “raizeiro” a indicação de cada um de seus produtos e a sua posologia costumeira, e percebendo nele tanta convicção em prescrever os seus “remédios do mato”, eu lhe inquiri de chofre, lhe fitando nos olhos, mostrando a minha pior fisionomia de delegado de polícia, se de fato aquelas meizinhas tinham o efeito anunciado.

Surpreendido e capturado de repente pela dureza da minha súbita indagação, ele perlustrou com a vista os tabuleiros, coçou a cabeça, e me deu a sua resposta mais franca: “Home... A pessoa tendo fé!... Né? (sic).

Em poucas palavras está resumido, na resposta daquele caboclo, o espírito brasileiro. “Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”, diz Gilberto Gil em letra de música, glosando a brasilidade mais profunda, que agora se reflete nos jogos da Copa do Mundo de Futebol Association.

Ora, ganhar os jogos e vencer o campeonato mundial depende unicamente da habilidade dos atletas, de seu vigor, de sua velocidade – bem como da perícia dos técnicos que organizam os treinos e estabelecem as estratégias.

Mas o povo brasileiro abandona esse pragmatismo lógico e se entrega a orações e simpatias, rezas e superstições – não como simples lenitivos morais de cada um, ou como adjutórios místicos, mas como componentes fáticos da lei de causa e efeito, que determina os resultados – exatamente como no caso daquele vendedor de puçangas, que coloca o fideísmo acima das propriedades químicas curativas das “garrafadas” e dos cataplasmas que prescreve.

Por conta desse vezo, subliminarmente consciente de que o selecionado nacional não pode depender somente das manobras de um único jogador – o hábil, acrobático, veloz e sereno Neymar Júnior – o País interpreta que o choro do capitão do time e do goleiro possa interferir na cabala ou na macumba entrevistas na tal da “corrente prá frente”, de modo que isso possa prejudicar o resultado.

Bobagem sobre bobagem. Todos conhecemos a imagem clássica em que o jovem Pelé chora em preto e branco ao final de uma Copa Mundi do passado, sem que isso haja denotado fraqueza sua ou lhe tenha trazido azares desportivos. Pelo contrário, o pranto emocionado muitas vezes é sinal de grandeza moral e pureza d’álma,  que não desmerecem nem envergonham a seu ninguém.

Enfim, para vencer a Copa e atingir o campeonato é necessário apenas que a seleção tenha sido bem escolhida e que esteja bem treinada, de modo a atuar de forma bem entrosada dentro em campo, realizando dribles eficientes e corridas velozes, no caso dos atacantes, e com tenacidade e vigor, no caso dos homens da zaga. Feito isso, não há reza que ajude nem há choradeira que atrapalhe.


 *Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário