quarta-feira, 30 de julho de 2014

CRÔNCA (VM)

ENXUGA-GELO
Vianney Mesquita*

Três são as coisas que se me afiguram inúteis: a luz de uma vela ao Sol, a chuva caída no deserto e a verdade proposta ao ignorante. (Padre Juan Arolas. *Barcelona, 20.06.1805; +Valência, 25.11.1843).


Ao perfazer, celeremente, o caminho para o inexorável ocaso anímico (Palmácia-CE, 17.08.1946), após cerca de quarenta anos procedendo à tarefa prazerosa de remover de textos (postulantes a publicação) equívocos gramaticais, inconsistências estilísticas, impropriedades de teor histórico, geográfico, sociológico e coisas semelhantes, eis que um contratante poderoso, de cidade grande que não Fortaleza, por meio de prepostos – sub tegmini fagi vergiliano do poder  deixou de considerar boa parte das minhas intervenções. 

Assim procedeu, ab ruptu, em original de livro a que me submeteu por indicação de um colega professor, sem aduzir qualquer razão, tampouco pedir explicações sobre as marcações procedidas, lance em que, decerto, justificaria minhas decisões e o demoveria do intento, já então decidido, de eludir as ditas intervenções.

Do lado dele, este representa um comportamento, no mínimo, esquisito, eximindo-me de referir ao esgalho filosófico a Nicômaco, porquanto ocorreu ao reverso da normalidade, quando a parte julgou o juiz, pois a ele me submeti e não o contrário, consoante, aliás, foi verbalmente avençado.

Malgrado haver sido avaliado – pois, estranhamente, não logrei laborar feito avaliador – me acho desincumbido do trabalho acertado, desenvolvido com a necessária responsabilidade, cuidado estreme e zelo habitual, remunerado conforme se pactuou.

Impende externar, por imprescindível, o fato de não me sentir na obrigação de devolver o valor da retribuição, pois efetuei a atividade conforme o figurino, com todos os efes e erres, ao modo de proceder há dezenas de anos. Isto me rendeu renome e crédito no ecúmeno inteligente e culto, na Capital do Ceará e noutras metrópoles, como um dos revedores preferido das universidades e institutos de ensino superior e pesquisa.

Não deploro, impõe-se dizer, o crédito fora da “nominata” do citado livro, feito responsável pela revista do texto; lastimo, entretanto, depois de tanta estrada, é o fato de experimentar a sensação de haver, conforme evoca o religioso e poeta catalão Padre João Arolas, chovido no deserto, inflamado lamparina sob o sol e proposto verdade a ignorantes que, como sói acontecer, sempre a rebatem.
Apenas uma vez, porém (não faz mal, é o tempero), fui feito ensacador de ar, enchedor de pneu de trem e enxugador de gelo.

Cest la vie!
*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista

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