quarta-feira, 9 de julho de 2014

ARTIGO (RV)

É PROIBIDO PROIBIR
Reginaldo Vasconcelos*


“É proibido proibir” é uma frase popularizada por Caetano Veloso em título e letra de música dos anos 70, canção na qual a expressão é utilizada como refrão, e mesmo como mantra ideológico reiterado com insistência.

Claro, trata-se de uma frase de efeito que se referia aos excessos restritivos que se sofriam na época, quando a repressão política do Governo Militar, na sanha de controlar a esquerda, praticava censura cultural, que se espraiava para o campo da carolice e do pieguismo moralista.

A intenção do autor da música não era implantar a anarquia, mas protestar contra o cerceamento das liberdades individuais que a ditadura praticava, atacando as letras e as artes de forma radical naquele tempo, limitando os impulsos inovadores da juventude criativa.

Porém, passado o transe político já há tantos anos, como que sob o efeito prolongado de estresse pós-traumático o Poder Público brasileiro ainda permanece claudicando entre os conceitos de autoritarismo e autoridade – aquele um vezo nefasto, este último um preceito essencial à ordem pública, ao bem comum, à paz social.

Por exemplo, vem de lá um autoritário chapa-branca moderno e inventa de impor nível zero de alcoolemia aos guiadores de veículos, de modo a impedir até os padres de consumir o vinho ritual em suas missas e sair do estacionamento da igreja dirigindo, o que, está visto, é um exagero absoluto.

O Resultado disso, como já se sabe hoje, é que resta desmoralizada a tal “lei seca”, e os grandes bebedores continuam a guiar ébrios e a causar tenebrosos acidentes, enquanto as pessoas de bem enfrentem o ridículo de evitar até o brinde de champanhe, se vão dirigir, para não descumprir a letra fria.

Um outro obtuso do Governo resolveu reduzir a criminalidade nacional  restringindo severamente a arma lícita, para desarmar a cidadania e deixá-la ainda mais vulnerável à bandidagem desvairada, que permanece e permanecerá armada até os dentes, enquanto as polícias e a Justiça enxugam gelo – por mais enxuto fique ele.  

Não é que as pessoas de bem fossem reagir aos assaltos e dar cabo dos criminosos de plantão que as abordassem, mas o fato é que em sabendo não haver mais armas de fogo nas residências e nos automóveis das famílias, nos escritórios e nas fazendas, muito maior é o estímulo e a tranquilidade dos delinquentes para atacar as suas vítimas – isso é o óbvio ululante.

Houve ainda algum gênio federal que resolveu há algum tempo proibir o uso de filtros solares escurecedores dos vidros dos veículos, na presunção estúpida de evitar o anonimato de eventuais guiadores bandidos em fuga, num torto raciocínio dedutivo. 

Ora,  o que se conseguiu com isso foi facilitar o assalto a automóveis, já que sem a película escura os meliantes podem constatar a momentânea distração de suas presas ao volante, bem como a sua eventual condição de mulher indefesa, para perpetrar com mais segurança os seus ataques. Resultado: ninguém mais cumpre essa lei, que ficou sem eficácia.

Agora vem outra plêiade de notáveis impor a tal da “lei da palmada”, que certamente vai prejudicar a boa educação das crianças no seio das famílias sadias e normais, e não evitará que pais psicopatas e madrastas perversas trucidem e matem seus filhos e enteados, como fazem no mundo todo desde sempre – e tanto a história quanto a literatura o comprovam fartamente.

Todavia, ninguém tem autoridade para impor condições dignas de sobrevivência e tratamento a homens, mulheres e crianças que moram nas ruas das grandes cidades do País, ao relento, traficando e consumindo compulsivamente drogas aliciantes e mortais, em guetos imundos que o próprio Governo, nas três esferas, institucionaliza, respeita e legitima como sendo “cracrolândias”.

Essas pessoas, por lógica presuntiva, querem ser recolhidas e tratadas, na subjetividade de seu estado normal; precisam disso, pela evidência de seu mau estado de saúde; e devem sê-lo, ainda que compulsoriamente, pelo bem da sociedade, que perde seus cidadãos para a droga e vê a pequena criminalidade alimentada pela compulsão dos viciados.

Também se falece de autoridade para coibir invasões de imóveis públicos e privados por grupos de baderneiros, o ataque violento à sociedade sob o pretexto de fazer greve, de realizar protesto político, de exigir a reforma agrária, como se isso representasse o mais hígido exercício da cidadania e da liberdade de expressão, entrevistas na democracia e nos postulados da República.

Por fim, não há ainda quem tenha moral ministerial para dizer à Nação: a um, que a palavra “esporte” pressupõe uma atividade humana lúdica em que as pessoas disputem de forma leal, sobre o preceito olímpico do culto à saúde física e mental – mens sana in corpore sano; a dois, que, embora todas as modalidades desportivas envolvam riscos naturais de acidentes, não faz sentido tratar como esporte um jogo em que se vise objetivamente machucar o oponente, provocar-lhe dor, tirar-lhe sangue, se possível fazê-lo desmaiar a custa de sufocamento ou de pancadas; a três, que as verdadeiras artes marciais, sejam as japonesas, as coreanas e mesmo a capoeira brasileira  que os atletas treinam e em que competem procurando conter ou tocar os oponentes sem lhes afetar a integridade  não podem ser praticadas por dinheiro, com fins circenses, como nas sangrentas arenas romanas, nem combinadas para que se tornem beluínas.


*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ 

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