REMÉDIO PARA BARATA
(Periplaneta americana)
Por Vianney Mesquita*
Quem não quer aplicar novos remédios
deve esperar novos males (Francis Bacon)
Incontinenti, ele, alegre e zombeteiro, me respondeu, indagando: “então, as bichinhas do senhor estão doentes?"
A pergunta produziu nas demais pessoas, de fora e dentro do balcão, um jorro de riso, pela graça realmente originada, em decorrência da falta de conhecimento - dele e de seus circunstantes - a respeito das características homonímicas e polissêmicas de termos e dicções do léxico português, fato, aliás, a tornar este código glossológico uma língua admiravelmente literária.
A surpresa e o aborrecimento, entretanto, bem depois, se dissolveram, quando cuidei do fato de aqueles compradores e caixeiros da loja constituírem um conjunto desprovido de maiores haveres informativos, de escolaridade insuficiente para o alcance do que retruquei, ao explicar ao protagonista do chiste, evidentemente com termos diversos dos que vêm à frente, o fato de ele não ter razão, pois remédio possui diversas acepções, aplicáveis na dependência de certas necessidades e circunstâncias.
Não posso
dizer que o motejo não me haja causado enfado, como adiantei, notadamente pelo
fato de haver ocorrido publicamente, contudo, passemos a refletir, tendo por mote
este sucesso passado no depósito, a respeito de algumas significações do termo
"remédio".
Antônio
Houaiss e Mauro de Salles Villar ("Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa". São Paulo: Objetiva, 2005) colheram no Fichário do “Índice do Vocabulário Português Medieval”,
de Antônio Geraldo da Cunha (Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro,
1986), 1390 como ano de registro do vocábulo “remédio”, palavra polissêmica por excelência, consoante se divisará
à frente.
Cumpre informar,
por oportuno, o fato de que, em Lexicologia e Linguística, polissemia é a
propriedade de palavras e expressões denotarem uma multiplicidade de sentidos
como:
– manga – de
camisa e de farol; fruta; local de pastagem de animais; verbo mangar; etc. E
– prato – vasilha;
comida; iguaria; de balança; de banda de música; manzape; etc.
Sob o
prisma da Gramática, a polissemia é fenômeno ordinário nas línguas naturais,
sendo escassos os vocábulos que a não expressam. É diferente de homonimia, por ser a mesma palavra e
não unidades de ideias com procedências diversas que convergiram foneticamente.
São causas
da polissemia, apontadas por Houaiss e Villar (Opus citatum):
– empregos figurados, por metáfora ou
metonímia, extensão de sentido, analogia etc; e
– empréstimo de acepção que a palavra
possui noutra língua. Seu étimo é
do Francês polysémie, procedente do
Grego polúsemos, os o, – que tem
muitos sentidos (Grego poli = numeroso; sema = ato, sinal, marca + o sufixo ia.
”Remédio” é, pois, como falei, noutros
torneios, para o caixeiro do Depósito à avenida Jovita Feitosa, tudo aquilo –
substância ou recurso – empregado não somente para combater uma doença ou fazer
cessar uma dor, mas também o que serve para amatar sofrimentos morais, atenuar
os males da vida, eliminar uma inconveniência, um mal, um transtorno.
Trata-se de
um recurso, uma solução; aquilo que protege, auxilia, retifica falha ou
defeito. É emenda, corretivo, “regulagem”, retificação.
Como
vocábulo polissêmico por excelência, por exemplo, no campo jurídico, trata-se
de providência para reparar um dano ou estabelecer relação de direito
interrompida (“remédio jurídico”). A
Penitência ou Confissão, terceiro Mandamento da Igreja Católica, é “remédio” religioso, ao passo que a seção
do divã se trata de “remédio”
psicológico.
Na sua
ampla variação sinonímica, “remédio” é,
ainda, droga, emenda, expediente, forma, jeito, maneira, medicamento, meizinha,
curativo, penso, modo, recusa, saída, salvatório.
Por que,
então, remédio deixaria de ser veneno
para acabar com as minhas saudabilíssimas “Periplanetae
americanae” de estimação?
*Vianney Mesquita
Professor da UFC
Escritor e Jornalista
Escritor e Jornalista
Membro da Academia Cearense
da Língua Portuguesa
Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ
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