quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CRÔNICA

PARA UM SÓ BANQUETE
Por Paulo Maria de Aragão*

As pessoas tendem a acreditar que as coisas más só acontecem aos outros e não se desapegam dos bens transitórios, ao esquecerem que desta vida se leva apenas o que se dá. Grandes crimes da humanidade sempre foram perpetrados por tiranos, hostis à sabedoria pontificada pelos ensinamentos de Jesus Cristo. Assim, cristãos eram conduzidos ao Coliseu romano onde as feras lhes dilaceravam as carnes para o divertimento superior. Modernamente, a carnificina pode ser vista com o uso de aparelhagem sofisticada, movida pelo mesmo instinto de ferocidade.

Manifesta também é a violência na miséria, lançada pela corrupção, de propagação epidêmica, manipulada pelo “príncipe” e asseclas que dilapidam o erário conscientemente, indiferentes ao dever da boa governabilidade. Os melhores homens não vivem para construir fortunas, o que os move é a esperança de serem úteis a uma boa causa. Poderão enfrentar obstáculos, porém deixarão um nome acatado e a morte fecundará os atos de suas vidas.
Invoque-se, por tempestivo, o fim da jornada material no desfecho da peça em que Shakespeare faz Hamlet, o príncipe da Dinamarca, dizer verdades ao rei: “É possível que alguém pesque com o verme que comeu um rei, e depois coma o peixe que engoliu o verme”. Retruca, então, o soberano: “Que queres dizer com isso?”. Aquele responde: “Nada, apenas, mostrar-vos como um rei pode viajar pelas entranhas de um mendigo”. O diálogo evidencia o findar de qualquer superioridade existencial de um indivíduo sobre outro.
Desse modo, quão doloroso é conhecer a pobreza depois de uma vida na opulência! Da mesma forma, ser belo e ver passar o tempo! Esse tempo contínuo, indefinido e irreversível, que deforma o corpo num descenso inevitável. Esse tempo, que impulsiona projetos e sonhos, que levará ao esquecimento os soberbos após o velório e a missa de sétimo dia. Dá-se, assim, continuidade à jornada visceral de todos, apesar de sucessores de “príncipes” permanecerem obstinados como todo-poderosos.

Aportou-se no terceiro milênio. As práticas são as mesmas do mundo velho. A convivência social se embrutece, e a miséria mantém-se como bom negócio político. Tudo se banaliza. O assunto é a eleição e, inacreditável, cogitam-se nomes para 2018! Estarão vivos?

Descortina-se mais um Natal. Presépios expostos nos templos e nos lares. Cintilam enfeitadas e vistosas árvores. Paira no ar a evocação à decantada festa. À meia-noite de 24 para 25 de dezembro, os sinos repicam chamando os fiéis para a missa do galo, hoje restrita em função da violência. Presenteia-se quem não precisa. Em profusão, enviam-se cartões de boas-festas a destinatários tirados à toa de listas telefônicas, muitos já habitando novas dimensões.

Neste caleidoscópio de relações da sociedade tida como moderna, a ceia natalina clama reflexão por uma vida sentida e não meramente vivida. Como já dito, Hamlet surpreende o rei sobre o destino dado a Polônio: “Numa ceia? Onde?” Para dele ouvir: “Não onde come, mas onde é comido”. Certa assembleia de vermes políticos está com ele agora: o verme é o único imperador da dieta, cevamos as demais criaturas para que nos engordem, mas nós mesmos nos cevamos para as larvas. O rei gordo e o mendigo esquelético são apenas iguarias diferentes, dois pratos diversos, contudo destinados a um só banquete.

*Paulo Aragão
Advogado, professor e membro
do Conselho Estadual da OAB-CE. 
Titular da Cadeira nº37 da ACLJ

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