Por Paulo Maria de Aragão*
As pessoas
tendem a acreditar que as coisas más só acontecem aos outros e não se desapegam
dos bens transitórios, ao esquecerem que desta vida se leva apenas o que se dá.
Grandes crimes da humanidade sempre foram perpetrados por tiranos, hostis à
sabedoria pontificada pelos ensinamentos de Jesus Cristo. Assim, cristãos eram
conduzidos ao Coliseu romano onde as feras lhes dilaceravam as carnes para o
divertimento superior. Modernamente, a carnificina pode ser vista com o uso de
aparelhagem sofisticada, movida pelo mesmo instinto de ferocidade.
Manifesta também
é a violência na miséria, lançada pela corrupção, de propagação epidêmica,
manipulada pelo “príncipe” e asseclas que dilapidam o erário conscientemente,
indiferentes ao dever da boa governabilidade. Os melhores homens não vivem para
construir fortunas, o que os move é a esperança de serem úteis a uma boa causa.
Poderão enfrentar obstáculos, porém deixarão um nome acatado e a morte
fecundará os atos de suas vidas.
Invoque-se, por
tempestivo, o fim da jornada material no desfecho da peça em que Shakespeare
faz Hamlet, o príncipe da Dinamarca, dizer verdades ao rei: “É possível que
alguém pesque com o verme que comeu um rei, e depois coma o peixe que engoliu o
verme”. Retruca, então, o soberano: “Que queres dizer com isso?”. Aquele
responde: “Nada, apenas, mostrar-vos como um rei pode viajar pelas entranhas de
um mendigo”. O diálogo evidencia o findar de qualquer superioridade existencial
de um indivíduo sobre outro.
Desse modo, quão
doloroso é conhecer a pobreza depois de uma vida na opulência! Da mesma forma,
ser belo e ver passar o tempo! Esse tempo contínuo, indefinido e irreversível,
que deforma o corpo num descenso inevitável. Esse tempo, que impulsiona
projetos e sonhos, que levará ao esquecimento os soberbos após o velório e a
missa de sétimo dia. Dá-se, assim, continuidade à jornada visceral de todos,
apesar de sucessores de “príncipes” permanecerem obstinados como
todo-poderosos.
Aportou-se no
terceiro milênio. As práticas são as mesmas do mundo velho. A convivência
social se embrutece, e a miséria mantém-se como bom negócio político. Tudo se
banaliza. O assunto é a eleição e, inacreditável, cogitam-se nomes para 2018!
Estarão vivos?
Descortina-se
mais um Natal. Presépios expostos nos templos e nos lares. Cintilam enfeitadas
e vistosas árvores. Paira no ar a evocação à decantada festa. À meia-noite de
24 para 25 de dezembro, os sinos repicam chamando os fiéis para a missa do
galo, hoje restrita em função da violência. Presenteia-se quem não precisa. Em
profusão, enviam-se cartões de boas-festas a destinatários tirados à toa de
listas telefônicas, muitos já habitando novas dimensões.
Neste
caleidoscópio de relações da sociedade tida como moderna, a ceia natalina clama
reflexão por uma vida sentida e não meramente vivida. Como já dito, Hamlet
surpreende o rei sobre o destino dado a Polônio: “Numa ceia? Onde?” Para dele
ouvir: “Não onde come, mas onde é comido”. Certa assembleia de vermes políticos
está com ele agora: o verme é o único imperador da dieta, cevamos as demais
criaturas para que nos engordem, mas nós mesmos nos cevamos para as larvas. O
rei gordo e o mendigo esquelético são apenas iguarias diferentes, dois pratos
diversos, contudo destinados a um só banquete.
*Paulo Aragão
Advogado, professor e membro
do Conselho
Estadual da OAB-CE.
Titular da Cadeira nº37 da ACLJ
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