sexta-feira, 17 de abril de 2020

PROSA POÉTICA - A Dança das Folhas (PX)


A dança das folhas
Paul0 Ximenes*

Não sei por que cargas d’água
incomoda-me tanto uma casa largada!
Acuro a visão e me deparo com vãos inúteis,
tijolos cansados, revirados, sobrepostos,
mortinhos da silva.

Não escuto um choro de menino, o “trofaco”
dos capotes, o chocalho de uma novilha magra;
sequer ouço o ranger de uma rede
e o chiado de uma vassoura.

Dói-me muito esta estagnação sertaneja!

Pela janela de correr
e ao cheiro acre do mofo,
as teias de aranha balangam sossegadas
enquanto os trastes velhos empoeirados
pranteiam pelos cantos; um relógio avoengo
já não tiquetaqueia mais.

Decerto, noutros raiares,
grassavam rezas exorando chuvas,
gritos retinindo alegrias,
e boi gordo, e milho verde
espargidos no horizonte.

Nem boi, nem milho, nem alegria...
Douram-lhe apenas o entardecer,
o silêncio
e o revoar nojoso dos morcegos.

O vento silva e abana uma janela.
Impiedosamente. Repetidamente.
Dobradiças gemem enferrujadas
e o eflúvio do diabo espanta
o calango magro da parede.


No terreiro, ao pé da porta,
folhas secas rodopiam e param.
Rodopiam e param
Morto movimento...
O remoinho as convidou pra dançar.



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