segunda-feira, 13 de abril de 2020

ARTIGO - Virtudes e Interesses (RMR)


VIRTUDES E
INTERESSES
Rui Martinho Rodrigues*


O bem comum, em suas diversas acepções, está presente nas teorias políticas, assim como na axiologia. Aristóteles (384 a.C. – 362 a.C.) entendia que a ação política no exercício do munos publicum deveria ser recompensada, no que demonstrava ceticismo em face do servidor público altruísta.

O partido republicano contemporâneo do estagirita defendia a ideia segundo a qual os agentes políticos deveram agir por altruísmo. Modernamente, Adam Smith (1723 – 1790), autor, entre outras obras, da “Teoria dos sentimentos morais”, antes de ser considerado economista dedicou-se ao estudo da Filosofia Moral, era da escola do iluminismo escocês e pensava como Aristóteles, apesar de David Hume (1711 – 1776) ter exercido influência sobre ele.

Smith concluiu que recompensar aqueles que servem ao interesse social é mais produtivo do que confiar na dedicação desinteressa. Parece certo. A paixão abnegada, sem motivação argentária não é menos perigosa. Tende a ocultar motivações sob a alegação de virtude. O escamoteado é suspeito. O condenável cálculo pecuniário, por ser cálculo, tende a ser racional. É possível condenar a lógica dedutiva e indutiva. Mas até para condená-la os seus críticos se servem dela. É mais fácil identificar o interesse material do que a volúpia pelo poder, apontada por Friedrich Nietzsche (1844 – 1900).

Resíduos e derivações (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) podem submeter pessoas inteligentes e cultas à influência medieval. Vi dois profissionais bem informados declararem, no mais escancarado reducionismo, que o problema do Brasil era o lucro. Esqueceram-se do papel positivo do “famigerado lucro” no desenvolvimento dos tigres Asiáticos.

Todos os indicadores de bem-estar social apontam para melhorias. Mas foram trocados pelos dados de concentração de renda. A “diferença” foi confundida com a “desigualdade” (José D’Assunção Barros, 1967 – vivo). Parece que o problema não é pobreza. Parece que mortalidade infantil, esperança de vida, escolaridade média, acesso aos bens que proporcionam conforto, nada significam. A “desigualdade” (diferença), aumentou, e isso basta para a insatisvação.

Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996) explica a dificuldade por outro caminho: a cegueira dos paradigmas. Gaston Bacelard (1884 – 1962) diz que o conhecimento pode obstacular o avanço dos saberes. Economistas qualificados alegam que o Brasil é uma das maiores economias do mundo e apesar disso temos muita pobreza. Esquecem que a maioria dos países desenvolvidos têm população muito pequena. Temos o PIB maior do que Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Israel, Suíça, Bélgica, Mônaco, Países Baixos, Nova Zelândia, e quase todos os países desenvolvidos. Mas a proporção de pobres entre eles é menor do que entre nós, porque têm a relação população/PIB muito mais favorável.

Economistas discutem a baixa remuneração, não a produtividade. Pregam a distribuição da riqueza... dos outros. Não falam na qualificação de recursos humanos. Descrevem a pobreza com muitos dados estatísticos, mas passam ao largo do problema da cultura da pobreza, para o qual nos alerta Antony Guidens (1938 – vivo).

Ao lado dos resíduos e derivações medievais, temos a cegueira dos paradigmas, herança da teoria da pauperização, que precisou ser substituída pela noção de “consumismo”, depois de desmentida pelos fatos. Conhecimento não é sabedoria, e virtudes nem sempre orientam bem. Muitos se preocupam com a influência confessional na política. Mas o que são os resíduos e derivações medievais na denúncia da desigualdade e satanização do lucro?


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