segunda-feira, 27 de abril de 2020

ARTIGO - O Labirinto da Ciência (RMR)


O LABIRINTO
DA CIÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*


A instituição universitária tem origem medieval. Tem os genes do corporativismo de suas origens. Sobreviveu às transformações históricas, demonstrou versatilidade e resistência. Entre os séculos XV e XIX, porém, limitou-se a defender saberes estabelecidos com posturas dogmáticas. Posteriormente a riqueza e o poder sentiram agudamente a instrumentalidade do conhecimento válido. Letrados, peritos e escribas ganharam importância, conforme descreve Carl Wright Mills (1916 – 1962), na obra ‘A elite do poder”. 

Os três tipos citados são variações do intelectual, ou mais precisamente, seus precursores, conforme Raymond Arond (1905 – 1983), na obra “O ópio dos intelectuais”. Os feitos da Revolução Científica do séc. XVII, no campo das ciências da natureza, trouxeram prestígio para a ciência. As distinções entre diferentes ciências, porém, escapam ao grande público. Nem toda ciência “proíbe” resultados diversos de suas previsões, escapando ao teste de validação, que é a falseabilidade proposta por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra “Conjecturas e refutações”.

A validação percorre caminhos tortuosos. A ciência é o conhecimento mais confiável no campo fenomênico. Usufruir do prestígio que ela proporciona rende farta colheita. O adjetivo “científico” adquiriu status de vaca sagrada. A história do conhecimento científico, todavia, é um cemitério de erros. Quatro modelos de átomo se sucederam em aproximadamente duzentos anos. A queda de cada um deles é o enterro de um erro da ciência. O conhecimento avança corrigindo erros. Não por ser infalível. Nem sempre a validação do conhecimento é monolítica. A divergência é muito frequente na comunidade científica. A validação por ela nem sempre é cristalina.

O número de publicações sofre distorção do paradigma dominante, como assinala Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), em “A estrutura das revoluções científicas” e pode atender a interesses de grupos. Artigos científicos podem ser devolvidos com a sugestão de que o autor cite fulano e sicrano, promovendo-os. Existe, ainda, o despreparo de alguns doutores. Eles nem sempre são doutos.

A orientação acadêmica, já o dissemos no livro “Pesquisa Acadêmica” (está esgotado, não é propaganda), chega a recomendar um número mínimo e máximo de páginas para trabalhos científicos, ignorando a complexidade do objeto, a natureza do estudo, o estilo do autor e outros aspectos. C. W. Mills afirmou: o sociólogo que não for capaz de se expressar em até cento e cinquenta páginas não sabe o que quer dizer. Depois escreveu “A elite do poder”, com cerca de quatrocentas páginas. Consultores ad hoc avaliam bibliografias pelo ano da edição das obras citadas e recomendam a escolhas de objetos que estejam na moda. Livro sobre norma técnica já foi publicado com o título de metodologia científica por ignorar o que seja tal coisa.

Karl Emil Weber (1864 – 1920) discorreu sobre ciência como vocação, distinguindo ciência de política. Hoje prevalece o entendimento de que tudo é política. Certamente o é. Impende, todavia, discernir entre diferentes significados de política. Politizar problemas técnicos é um grave erro, como invocar em vão o nome da ciência pode ser uma farsa. Louis Althusser (1918 – 1990), após sair da prisão, negou que tivesse interesse em voltar ao meio universitário. Justificou desqualificando o ambiente acadêmico onde viveu e foi prestigiado. Não é um meio pior que a sociedade em geral, mas está longe de ser melhor. Isso vale para a política. Misturar as duas coisas é reunir os defeitos de ambas.


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