quinta-feira, 23 de abril de 2020

ARTIGO - Democracia (HE)


DEMOCRACIA
Humberto Ellery*


“A convivência de contrários”, com toda a dificuldade de parlamentar, conciliar, buscar um impossível (e até dispensável) consenso entre ideologias, doutrinas e até dogmas e intransigências conflituosas, a muitos pode parecer que a inevitável turbulência política daí decorrente se configura como uma fraqueza da Democracia. 

Esse é um engano que atormenta espíritos mais imediatistas, destrambelhados, quando é justamente o contrário. Dessa apenas aparente fraqueza é que emana a grande fortaleza do regime “do povo, pelo povo e para o povo” (Abraham Lincoln). É o que torna a Democracia “o pior dos regimes políticos, à exceção de todos os outros” (frase de Georges Clemenceau, que atribuem também a Winston S. Churchill).


A Democracia é na realidade um regime muito forte, embora não seja um Regime de Força. E isso não é apenas um jogo de palavras, nem essa diferença é tão sutil, como pode parecer à uma primeira vista. É verdadeiramente uma diferença abissal. 

Difícil mesmo é elaborar esses conceitos dentro de um cérebro baldio, em que seu usuário não consegue estabelecer um diálogo minimamente amigável entre o Tico e o Teco. Se é que me entendem.

  


COMENTÁRIO

Esse texto de Humberto Ellery me faz supor, miudamente, estar ele reconhecendo que, embora com dificuldade de elaborar intelectualmente o conceito do que seja democracia (segundo Ellery entende), a conduta do Presidente Bolsonaro, nesse embate com os demais Poderes da República e com os Governadores esquerdistas, tem sido absolutamente democrática.

Ao investir contra passeatas, contra manifestação populares, contra postagens na internet, o Congresso e o Supremo Tribunal, insidiosamente – em nome da Constituição Federal – vão dando “interpretação conforme interesses políticos" ao sacrossanto preceito da liberdade de expressão, da livre manifestação do pensamento. 

A propósito, consultaram-me no Grupo de Whatsapp da ACLJ sobre se prosperaria o Mandado de Segurança impetrado contra o Presidente da República, e a minha resposta, elaborada com didática jurídica, parece que vai ao encontro do que afirma acima Humberto Ellery:

“Não se pode falar nada sobre o tal MS sem conhecer o seu teor, ou seja, a sua fundamentação fática e jurídica.

O cabimento existe se o tema for ferimento a direito, líquido e certo, ameaçado ou violado por autoridade pública.

Resta saber se o impetrante vai conseguir configurar a existência dessa ameaça ou violação... e se o julgador terá isenção política para formar de maneira justa o seu convencimento, para conceder ou denegar.

Mas, o que se quer saber é se o Presidente Bolsonaro teria incorrido no ilícito civil que esse MS lhe imputa.

Acho que isso depende da subjetividade de quem examinar o quadro fático, porque a conduta do Presidente é ‘borderline’.

Ao apoiar pessoalmente manifestações que pedem atos de força em seu favor, contra outros Poderes da República, ele abre o flanco político para que lhe atribuam a intenção de liderar a turba que pugna por um golpe militar.

Ao mesmo tempo, por outro lado, ele conserva o discurso de que defende os preceitos democráticos, a independência e a harmonia entre os Poderes, e não teve qualquer conduta inconstitucional na sua gestão.

A questão é muito politiqueira. Temos que esperar a movimentação das peças nesse tabuleiro de xadrez .

Reginaldo Vasconcelos



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