SONHOS E PESADELOS
Rui Martinho Rodrigues*
A grande peste poderá destruir a economia e a organização social.
Mortandade, desemprego, fome, violência e perda de liberdade para o controle de
riscos biológicos, criminalidade crescente e terrorismo – consequências do
desastre – como nos exemplos históricos de falência do Leviatã e da ordem
estabelecida. Novos meios de controle social, maiores do que os da obra de
George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), “1984”, proporcionados pelas
novas tecnologias forma o cenário de pesadelo. Mas também é um sonho.
A fênix ressurgida das cinzas seria uma sociedade justa,
igualitária, livre. Eric John Ernest Hobsbawm (1917 – 2012) disse que a
ditadura de Joseph Vissarionovich Stalin (1878 – 1953) (ou do PCURSS?) produziu
um saldo positivo. Não perdeu prestígio por isso. A Revolução Francesa, com a
“fraternidade” da guilhotina, é mais simpática do que a Revolução Gloriosa de
1688, na Inglaterra, que também afastou o absolutismo. A declaração dos
direitos fundamentais, dos constituintes americanos, não encanta como a dos
franceses. Não tem a guilhotina e os milhares de mortos assinalados por José
Guilherme Merquior (1941 – 1991).
A tradição libertária lutava contra as péssimas condições materiais
de vida, a pauperização das massas (Teoria da Pauperização, Karl Heirinch Marx,
1818 – 1883). As condições dos primeiros tempos da Revolução Industrial, “evidenciavam”
isso. A emigração para a cidade sugere, porém, que no campo a vida era pior do
que sob a exploração da fábrica. Lawrence W. Reed (1953 – vivo) lembra: antes
da Revolução Industrial a maioria das crianças não passava dos cinco anos.
Significativamente não houve retorno para o campo.
Fernand Braudel (1902 – 1985) identificou três ritmos do tempo
histórico: curta, média e longa duração. O último indica continuidades
indiferentes às mudanças. Supor uma sociedade inteiramente nova é negar a longa
duração. A atualidade dos dramas da literatura grega multimilenar é sugestiva
da existência de uma porção aistórica na condição humana.
Filósofos contemporâneos não focam na pauperização. Evitam o
desmentido dos indicadores de mortalidade infantil, esperança de vida, anos
médios de escolaridade e número de itens de conforto por habitantes. Denunciam
o consumismo. Não posso comprar? Opressão. Posso comprar? Opressão. Trabalho
para o patrão? Opressão. Sou o meu patrão? Opressão. Sou ao mesmo tempo
explorador e explorado, prisioneiro da lógica da competição, eficiência,
eficácia, efetividade e resolutividade. Desprezando tudo isso teremos um mundo
melhor? Essa é a proposta?
Democracia parlamentar, regime constitucional, igualdade jurídica
não afastam a opressão? Não! A menos que faltem. Nem o Estado provedor superou
a opressão. Controles impostos para a libertação têm produzido mais opressão.
Mas desde que Platão (428/427 – 348/347) sonhou com a igualdade de alguns em
tudo (os reis filósofos), a semelhança da “nova classe” de Milovan Djlias (1911
– 1995), o mundo melhor tem sido buscado com perseverança. A desilusão de
Platão com “A República”, expressa na obra “As leis”, é ignorada pelos
professores.
A crescente proteção dada aos grupos minoritários, vulneráveis e
divergentes da normatividade social afasta a opressão? Não! Mas está mudando o debate.
A pauperização saiu de pauta, salvo nas crises. Suicídio, depressão, síndrome
do pânico ocupam o lugar.
A falta de referências culturais estáveis, na
modernidade líquida (Zigmund Bauman, 1925 – 1917); o solipsismo resultante da
fragilização dos laços sociais pessoais, o vazio do hedonismo narcisista (Gilles
Lipovetsky 1944 – vivo) e do niilismo da dialética negativa não são analisados entre
os fatores ligados aos quadros psiquiátricos aludidos. Uma das raras exceções é
o psiquiatra Theodore Dalrymple (Anthony Daniels, 1949 – vivo), que fala da desorientação
induzida. Opressão, como posto pelos revolucionários, não seria o mal-estar na
civilização, de que falava Sigmund Schlomo Freud (1856 – 1939)?
Nenhum comentário:
Postar um comentário