sábado, 12 de maio de 2018

ARTIGO - Torquemadas e Savanarola (HE)


TORQUEMADAS
E
SAVANAROLAS
Humberto Ellery*


Todos nós sabemos da importância do “mando de campo”, pois o local, o clima, a torcida e demais condicionantes de uma disputa, sofrem uma enorme influência do meio onde se dá a peleja.

A propósito disso, lembrei de um fato esportivo acontecido recentemente nos Estados Unidos.  Estavam reunidos em um clube de golf todos os simpatizantes desse esporte, para as premiações anuais, entre os quais o maior campeão de todos os tempos, o grande e imbatível Tiger Woods.

Lá pelas tantas chamaram para receber a taça o campeão americano de golf para cegos. Isso mesmo, um esporte onde a visão é muito exigida para avistar as flagsticks dos holes de uma larga distância (em alguns casos mais de 400 metros), estava lá para receber seu prêmio o campeão da categoria ¨Cego¨.

O Tiger Woods resolveu então “tirar um sarro” com a cara do ceguinho e, cheio de sorrisos, o desafiou para uma disputa. Todo mundo caiu na gargalhada, menos o ceguinho que topou o desfio e só impôs uma condição: que a disputa fosse em uma noite sem lua.

Eu não sei se o jogo chegou a ser realizado, mas se eu estivesse lá apostaria todas as minhas fichas no ceguinho!

Essa circunstância é a base do Grande Projeto de Extinção da Classe Política atualmente em curso. Primeiro pegaram um lema tão antigo quanto estúpido que diz “todo político é ladrão”.


Hoje já existe uma variante que afirma “pode até entrar honesto, mas em pouco tempo se corrompe”. Esquecem que não é a política que torna o cidadão corrupto, mas é o seu voto que faz do corrupto um político.

Eu, por exemplo, em mais de cinquenta anos de eleitor,  jamais votei em corrupto. E não é difícil escolher, só precisa muita atenção e informação. Não pode é votar irresponsavelmente, se deixando iludir por discursos vazios, populistas e cheios de promessas inexequíveis.

O Grande Projeto conta com um fomento desbragado de ódio à classe política, embasado na dicotomia “Nós X Eles”, que o PT criou e disseminou, e também à desenfreada atuação do MPF, juntamente com o STF, num denuncismo e punitivismo jamais visto nem durante a “Santa Inquisição”, que de santa não teve nada. O País hoje está cheio de Torquemadas e Savonarolas (cheio, nos dois sentidos).

Uma das principais manobras do Projeto recebeu o nome de “Delação do Fim do Mundo”, quando 87 delatores da Odebrecht delataram mais de 400 políticos de 26 partidos, entre os quais 9 ministros, 28 senadores e 42 deputados federais.

Tal delação tinha a relatoria a cargo do Ministro Teori Zavascki, e, com a sua morte  a prima Carminha homologou o documento, que o Teori estudava havia meses, de mais de mil páginas, que ela afirma ter lido em um fim de semana (um fenômeno).

Foram abertos 83 inquéritos, dos quais quase 60% já foram arquivados, porque não conseguiram provas de que sequer houve crime. E ninguém ao menos pediu desculpas aos políticos limpos que foram atirados na lama!

A ideia mãe é essa mesmo, jogar todo mundo na lama, onde os porcos se sentem à vontade. Quem melhor chafurda na lama leva uma enorme vantagem contra quem joga limpo. E quem é o Campeão na categoria “Jogo Sujo”? O jornalista Reinaldo Azevedo resumiu tudo numa frase: “Se todo mundo é igual, então o Lula é o melhor”.





COMENTÁRIO

A meu juízo, o meu estimado confrade e concunhado acerta na tese, mas vai errar no postulado. Em bom português, flana bem no varejo, mas se estrepa no atacado.

A sua tese é de que “nem todo político é ladrão” – e nisso ele está absolutamente correto. Mas ele não prospera ao postular que o móvel da política seja a virtude, o espírito público, o bem comum, porque todos sabemos que não é assim que funciona. Não procede portanto que o Ministério Público e o Judiciário estejam injustamente empenhados em acabar com a classe política. 

A política partidária é o reino da vaidade, do orgulho, do arrivismo, do autoritarismo, do corporativismo, do egoísmo, do oportunismo, e, mesmo na democracia, é a arte do ilusionismo em favor de si e da própria corriola. Não tem jeito. Quase não há exceções – e digo “quase” porque a rara exceção confirma a regra.

Aliás, o articulista pertence a uma família de políticos sérios, e isso lhe proporciona a paralaxe moral que lhe distorce os paradigmas. É notar que a sua parentela política não fez fortuna, nem jamais enriqueceu ninguém, o que é o limite da honestidade que se espera do homem público.  

Mas, em relação à política brasileira como um todo, a quantidade de fichas-sujas é imensa de fato, quase hegemônica, porque o vilipêndio das consciências e a prática do “caixa dois” há muito estavam “naturalizados”. Quem não arranjasse dinheiro, e quem não mentisse em campanha, não vencia as eleições. Ora, bolas! Até as pedras sabem disso!

Então, receber “ajuda” eleitoral, para pagar com benesses derivadas da função pública – cargos, empregos, negócios, contratos – no mundo da política isso parecia ser coisa normal, honrada reciprocidade, legítimo apanágio republicano, corolário do partidarismo nacional, embora pudesse ser formalmente ilegal, bem como amoral, para o senso comum.

Somente um idealista livresco (quem sabe, um Policarpo Quaresma), tido como idiota, recusaria uma verba – sabe-se lá vinda de onde – que o ajudasse a vencer a eleição. Que mal havia nisso? Achava mesmo que aquilo resultasse dos lucros normais, presumivelmente vultosos, das empresas portentosas.

Os políticos desonestos – e os ideólogos desvairados – visavam o enriquecimento pessoal e a manutenção do poder, respectivamente, a qualquer custo, mesmo quebrando a Petrobrás e doando a ditaduras de esquerda portos, estradas, refinarias. Uns visavam vencer no capitalismo selvagem e outros queriam estuprar a economia de mercado, para alcançar o paraíso socialista.

Porém, os mais probos e incautos, esses não racionalizavam que aqueles dinheiros provinham indiretamente das verbas públicas, que, de toda sorte, imaginavam inesgotáveis. Achavam  e estavam certos – que aquela era a única forma viável de se fazer política no Brasil.  

Até que o cão destampou a panela – a partir de Roberto Jefferson  e o instituto da delação premiada se revelou o abre-te sésamo contra a cumplicidade solidária. Por isso o bom, o mau e o feio estão com o rabo na ratoeira. Alguns estão pagando os pecados e outros são mártires de um sistema vicioso, que está sendo desmantelado.  

Reginaldo Vasconcelos  
     


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