TORQUEMADAS
E
SAVANAROLAS
Humberto
Ellery*
Todos nós sabemos da importância do “mando de
campo”, pois o local, o clima, a torcida e demais condicionantes de uma
disputa, sofrem uma enorme influência do meio onde se dá a peleja.
A propósito disso, lembrei de um fato esportivo
acontecido recentemente nos Estados Unidos.
Estavam reunidos em um clube de golf todos os simpatizantes desse
esporte, para as premiações anuais, entre os quais o maior campeão de todos os
tempos, o grande e imbatível Tiger Woods.
Lá pelas tantas chamaram para receber a taça o
campeão americano de golf para cegos. Isso mesmo, um esporte onde a
visão é muito exigida para avistar as flagsticks dos holes de uma
larga distância (em alguns casos mais de 400 metros), estava lá para receber
seu prêmio o campeão da categoria ¨Cego¨.
O Tiger Woods resolveu então “tirar um sarro” com
a cara do ceguinho e, cheio de sorrisos, o desafiou para uma disputa. Todo
mundo caiu na gargalhada, menos o ceguinho que topou o desfio e só impôs uma
condição: que a disputa fosse em uma noite sem lua.
Eu não sei se o jogo chegou a ser realizado,
mas se eu estivesse lá apostaria todas as minhas fichas no ceguinho!
Essa circunstância é a base do Grande Projeto
de Extinção da Classe Política atualmente em curso. Primeiro pegaram um lema
tão antigo quanto estúpido que diz “todo político é ladrão”.
Eu, por exemplo, em mais de cinquenta anos de
eleitor, jamais votei em corrupto. E não é difícil escolher, só precisa
muita atenção e informação. Não pode é votar irresponsavelmente, se deixando
iludir por discursos vazios, populistas e cheios de promessas inexequíveis.
O Grande Projeto conta com um fomento
desbragado de ódio à classe política, embasado na dicotomia “Nós X Eles”, que o
PT criou e disseminou, e também à desenfreada atuação do MPF, juntamente com o
STF, num denuncismo e punitivismo jamais visto nem durante a “Santa Inquisição”,
que de santa não teve nada. O País hoje está cheio de Torquemadas e Savonarolas
(cheio, nos dois sentidos).
Uma das principais manobras do Projeto recebeu
o nome de “Delação do Fim do Mundo”, quando 87 delatores da Odebrecht delataram
mais de 400 políticos de 26 partidos, entre os quais 9 ministros, 28 senadores
e 42 deputados federais.
Tal delação tinha a relatoria a cargo do
Ministro Teori Zavascki, e, com a sua morte a prima Carminha homologou o
documento, que o Teori estudava havia meses, de mais de mil páginas, que ela
afirma ter lido em um fim de semana (um fenômeno).
Foram abertos 83 inquéritos, dos quais quase
60% já foram arquivados, porque não conseguiram provas de que sequer houve
crime. E ninguém ao menos pediu desculpas aos políticos limpos que foram
atirados na lama!
A ideia mãe é essa mesmo, jogar todo mundo na
lama, onde os porcos se sentem à vontade. Quem melhor chafurda na lama leva uma
enorme vantagem contra quem joga limpo. E quem é o Campeão na categoria “Jogo
Sujo”? O jornalista Reinaldo Azevedo resumiu tudo numa frase: “Se todo mundo é
igual, então o Lula é o melhor”.
COMENTÁRIO
A meu
juízo, o meu estimado confrade e concunhado acerta na tese, mas vai errar no postulado.
Em bom português, flana bem no varejo, mas se estrepa no atacado.
A sua tese
é de que “nem todo político é ladrão” – e nisso ele está absolutamente correto.
Mas ele não prospera ao postular que o móvel da política seja a virtude, o
espírito público, o bem comum, porque todos sabemos que não é assim que
funciona. Não procede portanto que o Ministério Público e o Judiciário estejam injustamente empenhados em acabar com a classe política.
A
política partidária é o reino da vaidade, do orgulho, do arrivismo, do
autoritarismo, do corporativismo, do egoísmo, do oportunismo, e, mesmo na
democracia, é a arte do ilusionismo em favor de si e da própria corriola.
Não tem jeito. Quase não há exceções – e digo “quase” porque a rara exceção
confirma a regra.
Aliás,
o articulista pertence a uma família de políticos sérios, e isso lhe
proporciona a paralaxe moral que lhe distorce os paradigmas. É notar que a sua
parentela política não fez fortuna, nem jamais enriqueceu ninguém, o que é o
limite da honestidade que se espera do homem público.
Mas, em
relação à política brasileira como um todo, a quantidade de fichas-sujas é
imensa de fato, quase hegemônica, porque o vilipêndio das consciências e a
prática do “caixa dois” há muito estavam “naturalizados”. Quem não arranjasse
dinheiro, e quem não mentisse em campanha, não vencia as eleições. Ora, bolas!
Até as pedras sabem disso!
Então,
receber “ajuda” eleitoral, para pagar com benesses derivadas da função pública – cargos,
empregos, negócios, contratos – no mundo da política isso parecia ser coisa
normal, honrada reciprocidade, legítimo apanágio republicano, corolário do
partidarismo nacional, embora pudesse ser formalmente ilegal, bem como amoral, para
o senso comum.
Somente
um idealista livresco (quem sabe, um Policarpo Quaresma), tido como idiota, recusaria
uma verba – sabe-se lá vinda de onde – que o ajudasse a vencer a eleição. Que
mal havia nisso? Achava mesmo que aquilo resultasse dos lucros normais, presumivelmente
vultosos, das empresas portentosas.
Os
políticos desonestos – e os ideólogos desvairados – visavam o enriquecimento pessoal
e a manutenção do poder, respectivamente, a qualquer custo, mesmo quebrando a
Petrobrás e doando a ditaduras de esquerda portos, estradas, refinarias. Uns visavam vencer no capitalismo selvagem e outros queriam estuprar
a economia de mercado, para alcançar o paraíso socialista.
Porém,
os mais probos e incautos, esses não racionalizavam que aqueles dinheiros
provinham indiretamente das verbas públicas, que, de toda sorte, imaginavam
inesgotáveis. Achavam – e estavam certos – que aquela era a única forma viável de se fazer política no Brasil.
Até que o cão destampou a panela – a partir de Roberto Jefferson – e o instituto da delação premiada se revelou o abre-te sésamo contra a cumplicidade solidária. Por isso o bom, o mau e o feio estão com o rabo na ratoeira. Alguns estão pagando os pecados e outros são mártires de um sistema vicioso, que está sendo desmantelado.
Reginaldo
Vasconcelos
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