A EXPERIÊNCIA URUGUAIA
Roberto Victor Ribeiro*
A República Oriental
do Uruguai, hoje com 3,5 milhões de habitantes, já pertenceu ao Brasil no
período compreendido entre 1822 e 1828, quando deixou de ser “Província
Cisplatina” brasileira e se tornou independente como uma república oriental
chamada Uruguai.
Fui convidado pelo
lente emérito da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Uruguai,
Prof. Dr. Raul Cervini, uma das maiores referências de Direito Penal Econômico
no mundo, para proferir palestra naquela conceituada e histórica universidade,
acerca do crime organizado no Brasil e, mas precisamente, em Fortaleza, Estado
do Ceará. No dia 25 de abril estive na “Sala do Decano”, importante e imponente
recinto da Universidade Católica do Uruguai, onde fui recebido pelo Decano da
Faculdade de Direito, Prof. Dr. Mario Spangenberg, catedrático de Direito
Penal.
Discorri um pouco
acerca da crescente onda de violência e de insegurança em nosso país e o avanço
das facções no Ceará e na região Nordeste. Antes de iniciar o relato
estatístico de nossa situação fui interrompido por um aluno, mais experiente,
por volta dos seus 50 anos, que me perguntava uma fórmula ou uma solução para
combater o aumento de homicídios na Capital Montevidéu. Indaguei-lhe qual o
número de homicídios nos últimos seis meses. Ele e o Decano me responderam: 18
mortes.
Respirei, pensei,
suspirei e falei: Não posso ajudar com nenhuma fórmula. Sabem o motivo? Na
minha cidade a média está em torno de 14 mortes por dia. Nesse momento, passei
a falar sobre o modus operandi das facções e seus domínios. Quando
levantei o rosto para a plateia atenta pude reparar que todos estavam com
expressão de terror, como se estivessem assistindo a um suspense hollywoodiano.
Como deixamos o nosso Ceará chegar a esse nível de violência?
Aproveitei a estada e
fiquei sete dias naquele país, que é banhado pelo Rio da Prata e pelo Oceano
Atlântico. Pude caminhar pelas ruas históricas de Montevidéu, sem pressa e sem
receio de ser abordado; fiquei atento e reparei que as pessoas usam celular na
rua, no ônibus e nas praças, sem nenhum medo de serem violentamente atacadas;
observei que são raríssimos os estacionamentos privados naquele país, pois os
uruguaios estacionam seus carros nas ruas (calles)
e os deixam muitas vezes abertos, e ninguém furta os veículos, tampouco os
objetos guardados no seu interior.
Tive o prazer de levar minha filha de três anos para passear na praia e brincar em um parque público com mais umas 15 0u 20 crianças, todas acompanhadas dos pais, que se divertiam também, sem nenhuma pressa ou tensão de serem abordados por celerados armados; caminhei às 22:00 horas na rua, diga-se de passagem, sem muita iluminação, até o hotel, e fui molestado – como costumam falar na língua nativa de lá – apenas por um cachorrinho de rua com frio que me seguiu até próximo da entrada.
Tive o prazer de levar minha filha de três anos para passear na praia e brincar em um parque público com mais umas 15 0u 20 crianças, todas acompanhadas dos pais, que se divertiam também, sem nenhuma pressa ou tensão de serem abordados por celerados armados; caminhei às 22:00 horas na rua, diga-se de passagem, sem muita iluminação, até o hotel, e fui molestado – como costumam falar na língua nativa de lá – apenas por um cachorrinho de rua com frio que me seguiu até próximo da entrada.
Reservei uns dias para
conhecer uma famosa cidade reconhecida pelos seus balneários e por sua
qualidade de vida. Refiro-me a Punta Del Leste. Na cidade tive a curiosidade de
conversar com os moradores e com um policial.
No primeiro contato com um garçom do restaurante onde fui almoçar com minha família perguntei-lhe se ali havia assaltos, ao que ele me responde: o que é assalto? Expliquei-lhe tratar de um ato violento, perpetrado por elemento conduzindo arma de fogo ou objeto cortante. Ele me responde: “Nunca presenciei ou soube disso aqui nessas redondezas”. Um amigo, defensor público, que com sua família nos acompanhava, brincou: ele já foi assaltado duas vezes em nossa cidade, não tem como arranjar um assaltante para ele por aqui? Ele disse: “Não, nem se procurarmos”.
No primeiro contato com um garçom do restaurante onde fui almoçar com minha família perguntei-lhe se ali havia assaltos, ao que ele me responde: o que é assalto? Expliquei-lhe tratar de um ato violento, perpetrado por elemento conduzindo arma de fogo ou objeto cortante. Ele me responde: “Nunca presenciei ou soube disso aqui nessas redondezas”. Um amigo, defensor público, que com sua família nos acompanhava, brincou: ele já foi assaltado duas vezes em nossa cidade, não tem como arranjar um assaltante para ele por aqui? Ele disse: “Não, nem se procurarmos”.
Para finalizar, o
policial, ao ser indagado por mim sobre qual a maior ocorrência que necessitou
de sua atuação, me respondeu: “Certa ocasião, um idoso se engasgou com carne no
restaurante e eu precisei ir abrindo caminho para a ambulância”. Então insisti:
–E assaltos, em
quantos você já atuou?
– Senhor, em quinze de
anos de polícia, eu nunca. Mas, nesses quinze anos, soube de colegas que
trabalharam em três ações de assaltos.
Continuei a perguntar:
– E homicídios?
Quantos? – ao que ele respondeu:
– Senhor, aqui em
Punta as pessoas só morrem por três razões: mortes naturais, mortes por doenças
ou mortes em condução de veículos ou outros acidentes.
Segundo a Transparência Internacional, o Uruguai é
classificado como o país menos corrupto da América Latina (seguido
pelo Chile, em segundo lugar). As crianças possuem educação de base e a taxa de
analfabetismo da população nacional é de 7%. Esses são os motivos pelos quais o
Uruguai, um país menor que o Estado do Ceará em população, ser considerado um
lugar com qualidade de vida, com perspectiva de futuro, de desenvolvimento.
Sei que alguns,
anestesiados pela ignorância ou pelos agrados políticos, dirão que isso ocorre
em virtude da dimensão e da pequena população da nação uruguaia. Mas não, isso
acontece por razões que o nosso país e nossos políticos não se prestam a fazer:
trabalhar para amortecer os desatinos sociais, sem compadrios políticos, sem
corrupção, sem capitanias hereditárias na política, entendendo que a função
pública deve ser exercida por quem pode colaborar com a Nação (e que deve ser
também passageira), sempre doando espaço para novas lideranças e novas
mentalidades, acabando com essa postura de pessoas que fazem da política seus
empregos vitalícios.
Relutei muito em dar
esse depoimento. Quem me conhece sabe da minha discrição e do meu otimismo sobre
dias melhores, mas uma pequena experiência em um mundo fabuloso de “paz,
sossego e felicidade” me fizeram não ser mais pusilânime ou complacente com
nosso momento.
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